O Brasil pode se tornar um protagonista na pauta ambiental mundial com a recente decisão do governo dos Estados Unidos, sob a gestão de Donald Trump, de se retirar novamente do Acordo de Paris, acordo climático para enfrentamento do aquecimento global, e desmontar outros tratados ambientais firmados na administração anterior.
Com os EUA, segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, fora do pacto climático global, especialistas destacam os potenciais reflexos dessa decisão para o Brasil, uma vez que o país, de dimensão continental, possui a maior floresta tropical do planeta e sediará a COP 30 ainda este ano.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM), Carlos Bocuhy, o que que está acontecendo no cenário internacional neste momento é o efeito de um “retrocesso provocado pelas declarações recentes” do atual presidente dos EUA. “Essas declarações refletem o abandono dos EUA ao Acordo de Paris, prejudicando o esforço global para limitar o aquecimento a 1,5°C, o que é muito ruim para o conjunto das nações, porque representa um enfraquecimento do multilateralismo colaborativo, que é o empenho de todas as nações para que se atinja esse objetivo”, aponta.
Nesse sentido, Carlos comenta a importância dos países se enxergarem como responsáveis de emissões de gases de efeito estufa. Ele cita os Estados Unidos, que fica atrás somente da China, o país que mais emite gases no mundo. “Se os países, como os EUA, que são os maiores emissores, não tiverem uma relação progressista, no sentido de eliminar os combustíveis fósseis, nós vamos passar por problemas no futuro em relação ao estado da atmosfera terrestre, o que vai nos levar a temperaturas muito elevadas”, prevê.
“Se os Estados Unidos estão nessa rota de retrocesso, o que pode acontecer é que isso estimule outros países também a caminharem no mesmo sentido, a não eliminar o petróleo das suas agendas. Quer dizer, essa corrida é completamente absurda nos dias de hoje, porque a queima de petróleo, a queima de gás, é o elemento principal que contribui para o aquecimento global”, comenta Carlos, uma vez que o governo americano anunciou novos investimentos na exploração de combustíveis fósseis, “o que já representa um retrocesso significativo”.
O ambientalista ainda indica que o país americano já sofre e continuará sofrendo severamente com eventos climáticos extremos, como furacões, ondas de calor e queimadas. “Ao abandonar o debate sobre mudanças climáticas, Trump age contra a saúde e a segurança do próprio povo americano, prejudicando seu próprio país”, explica Carlos.
Postura de Trump na pauta ambiental abre oportunidade para o Brasil
Desde sua criação, o Acordo de Paris conta com a adesão de 196 países, tornando a saída dos EUA um movimento isolado, mas impactante. De acordo com o advogado ambientalista e doutorando em sustentabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), Tiago Andrade, embora esperado, dado o histórico negacionista de Trump em relação às mudanças climáticas, a sua decisão coloca em evidência dois efeitos principais: a possibilidade de estímulo ao negacionismo climático global e o enfraquecimento do esforço coletivo para mitigar a crise climática.
“Como era algo previsível, isso minimiza o impacto imediato. Contudo, considerando que os Estados Unidos são a segunda maior economia do mundo, é inegável que essa decisão traz repercussões negativas. Ela acaba reforçando uma postura de negacionismo climático e prioriza a economia norte-americana em detrimento de compromissos globais”, analisa Andrade, sócio do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.
O advogado ainda afirma que seja pouco provável a possibilidade dessa postura desencadear um efeito cascata. “O país já havia saído do acordo anteriormente e, mesmo assim, os demais governantes mantiveram seus compromissos. Por esse motivo, é improvável que outros países sigam o mesmo caminho agora”, explica.
Carlos Bocuhy concorda com Tiago, afirmando que, “apesar do retrocesso representado pela postura do governo americano”, sob a liderança de Donald Trump, em relação ao Acordo de Paris, é essencial que isso não contamine o restante do mundo: “esse cenário deve servir como estímulo para que outros países intensifiquem seus esforços em defesa do clima”, defende.
Por outro lado, para Tiago, é importante observar que a ONU deve fortalecer seu diálogo com empresas norte-americanas, incentivando que, mesmo sem apoio governamental, as companhias individuais continuem a trabalhar em prol do cumprimento de suas metas climáticas.
“Apesar de o governo americano ter saído, se as empresas que são, de fato, as responsáveis pelos maiores impactos negativos, se mantiverem comprometidas, isso pode reduzir a força desse movimento negativo. Muitas dessas empresas nos Estados Unidos são multinacionais que atuam em diversos países e, por isso, possuem metas globais a cumprir. Essa dinâmica pode amenizar os efeitos da saída dos Estados Unidos”, comenta Andrade.
Tiago comenta que a postura dos Estados Unidos em relação à pauta ambiental vai reduzir o volume de recursos destinados ao financiamento da transição climática, já que eles seriam um dos principais financiadores. No entanto, explica que, nesse novo contexto mundial, o Brasil pode ter uma oportunidade forte de se mostrar enquanto protagonista na pauta ambiental.
“Isso também aumenta o foco sobre o Brasil e as oportunidades que temos, considerando nossas florestas e a capacidade de prover um mercado de carbono capaz de mitigar os impactos climáticos globais. Nesse sentido, acredito que o país pode aproveitar essa oportunidade para se posicionar como líder, contrapondo o discurso de Trump, e assumir um papel relevante nesse mercado, promovendo a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas”, alega.
Como exemplo, Tiago argumenta que a postura americana pode gerar uma redistribuição de oportunidades no mercado de carbono, favorecendo países com matrizes energéticas mais limpas, como o Brasil. “O nosso país tem o protagonismo de possuir uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, o que é uma vantagem competitiva no contexto da transição para uma economia de baixo carbono”, aponta.
“Essa debandada norte-americana pode ter um efeito benéfico para o Brasil, que passa a desempenhar um papel mais relevante no cenário internacional. Isso pode atrair mais investimentos verdes para o país”, diz o coordenador da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Moacyr Araújo, reafirmando o ponto de vista dos demais especialistas.
Assim como Moacyr, o Coordenador Executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC), Sérgio Xavier, acredita também que a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e a “postura antiecológica do novo governo Trump” é uma oportunidade para o país.
“Isso cria uma lacuna na liderança climática global e abre oportunidades para o Brasil assumir um papel de destaque, não apenas na condução das negociações da Conferência do Clima (COP30), a ser realizada em novembro na Amazônia, mas, sobretudo, na articulação de uma nova economia regenerativa e inclusiva global”, comenta.
Xavier ainda defende que as negociações oficiais das Conferências do Clima da ONU (COPs) são
insuficientes diante da urgência em reverter as emissões de gases de efeito estufa, que aquecem o planeta continuamente e provocam as devastadoras mudanças climáticas.
“Na COP30 o Brasil deve se empenhar no sentido de implementar os compromissos do Acordo de Paris, mas deve ir além, influenciando uma rede mundial de países comprometidos com a imprescindível transformação socioecológica da economia. Ou seja, uma economia de regeneração, inclusão e adaptação aos inquietantes cenários do clima”, reforça ele.
COP 30 como oportunidades para o Brasil e financiamento de uma nova economia
Com a ausência dos EUA, a COP30 será sediada em Belém do Pará, se apresentando como uma plataforma estratégica para o Brasil liderar debates sobre sustentabilidade. A criação de uma lei robusta para o mercado de carbono, somada à promoção de modelos econômicos baseados na bioeconomia e na valorização de recursos naturais, pode colocar o país em uma posição de protagonismo global.
Para o advogado ambientalista Tiago Andrade, o Brasil está se fortalecendo para o evento de maneira geral, principalmente porque está totalmente inserida no mercado de carbono. “Agora, temos regras auditáveis, mecanismos de governança e uma autoridade climática que avaliará os créditos de carbono emitidos, trazendo segurança para investidores externos. Assim, quem compra esses créditos terá a garantia de que está pagando por uma floresta preservada e que os benefícios ambientais são reais”, destaca.
Sobre a ausência dos Estados Unidos na confederação, Moacyr Araújo acredita que não haverá prejuízos na busca por soluções científicas. “A comunidade científica internacional é qualificada e sólida o suficiente para continuar avançando na busca por evidências e, principalmente, por soluções de mitigação e adaptação às mudanças climáticas”, comenta.
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