Os desafios serão grandes com as novas soluções de Inteligência Artificial (IA) que estão por vir como consequência do anúncio da joint-venture Stargate, realizado na semana passada, nos Estados Unidos.
O projeto Stargate, anunciado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, é uma iniciativa de infraestrutura de inteligência artificial (IA). O programa prevê investimentos iniciais de US$ 100 bilhões (R$ 589 bilhões) em projetos de infraestrutura de Big Tech, com possibilidade de expansão para US$ 500 bilhões (R$ 2,9 trilhões) nos próximos quatro anos. Entre os principais apoiadores estão OpenAI, SoftBank, Oracle e o fundo estatal de IA de Abu Dhabi, MGX.
O SoftBank grupo é um dos maiores fundo de investimentos que já chegou a investir no Nubank; a OpenAI, que é a dona do ChatGPT que popularizou a tecnologia de inteligência artificial, e a Oracle detém muitas tecnologias de banco de dados e sistemas operacionais.
Um dos maiores desafios será o impacto no emprego e na mão de obra. “Se os governantes não se preocuparem, no curto prazo, pode gerar muito desemprego. Se as pessoas se adaptarem rápido, ótimo. Mas não é todo mundo que consegue fazer esta transição rápida. Serão precisos programas governamentais para treinamento, conscientização e regulamentação”, afirma o pesquisador sênior e coordenador do curso de doutorado do Cesar School, Rafael Ferreira. Ele acrescenta que a velocidade em que a tecnologia está avançando não é a mesma que envolve as discussões sobre capacitações e uma futura regulamentação.
Como toda mudança, o avanço da IA pode trazer um período onde alguns empregos vão deixar de existir, como as que envolvem tarefas rotineiras e repetitivas, como no setor de manufatura, ou em áreas como contabilidade e atendimento ao cliente, atingindo muitas atividades que podem ser automatizadas, o que reduziria a demanda por essas ocupações. Também podem ser criadas oportunidades em áreas de desenvolvimento e manutenção dessas tecnologias ou que exijam habilidades em IA como analistas de dados e engenheiros de aprendizado de máquina.
A corrida para dominar a tecnologia, na próxima fase da IA, está ocorrendo entre os Estados Unidos – com empresas norte-americanas que já desenvolveram muitas ferramentas usadas por milhares de pessoas, incluindo várias gratuitas, como o ChatGPT, o Copilot e a Gemini – e a China, que está investindo nessa área, embora não tenha anunciado, oficialmente, qualquer grande projeto. “Como acadêmico, percebemos que os chineses que fazem doutorado em tecnologia e costumavam ficar pelo Reino Unido e Estados Unidos estão voltando para a China, porque estão pagando mais”, comenta Ferreira.
Segundo o presidente da Federação Nacional das Empresas de Tecnologia da Informação (Fenainfo), Gerino Xavier Filho, o lado bom do anúncio da Stargate é que essas novas tecnologias vão ganhar uma nova velocidade para mostrar resultados que vão ser impressionantes. “O lado ruim é que isso vai ‘roubar’ talentos de vários países do mundo, incluindo o Brasil, que tem um celeiro de mão de obra qualificada”, diz. Ele argumenta também que o Brasil precisa se contrapor implantando “uma política pública” nesta área, que inclua a formação e iniciativas que retenham os talentos no País.
Também é senso comum de que as futuras ferramentas ou tecnologias de IA terão padrões norte-americanos, segundo os entrevistados desta reportagem. “Quem chegar na frente, vai estabelecer os padrões. Os outros não vão ter força para criar outro padrão. Vamos comprar a tecnologia deles e esta dependência vai continuar”, resume Gerino.
Na opinião de Rafael Ferreira, as grandes soluções a serem desenvolvidas estarão voltada para o Norte Global. Segundo ele, já ocorreu uma diminuição razoável no preço das ferramentas que utilizam IA e há uma tendência de redução dos preços, o que estimulará a criação de startups que resolvam problemas locais usando as atuais e futuras ferramentas”. Isso poderia trazer novos negócios ao Porto Digital em várias áreas, como educação, medicina, energia, transporte e comércio.
Vanguarda e regulamentação
“Se desenvolve uma inovação mais ampla, quando se tem mais dinheiro, porque há espaço para testar coisas que podem dar errado. No entanto, o que pode dar certo pode pagar toda a pesquisa desenvolvida”, comenta a vice-presidente da Confederação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro), Laís Xavier.
Ela também enxerga que novas oportunidades podem surgir para o arranjo tecnológico local, que vai desenvolver muita tecnologia de IA para serviços e produtos. “O lado ruim é que não somos nós que vamos estar na vanguarda desta tecnologia e ganha mais dinheiro quem está na vanguarda”, comenta Laís.
A falta de liderança do País em IA não é o único problema. Há outro que preocupa muitos profissionais da área: a regulamentação. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu desregulamentar várias atividades e suspendeu uma ordem do presidente anterior, Joe Biden, que colocava algumas restrições na atuação das redes sociais.
“As empresas que formam a Stargate têm um grande poderio. Vai ser natural a necessidade de regulação. No processo em si, vão surgir, naturalmente, alguns movimentos no sentido de regulamentar. Essa regulamentação tem que incluir os limites éticos, a segurança e a proteção de dados”, conta a Coordenadora dos cursos de Pós-graduação em TI do Centro Universitário Frassinetti do Recife (UniFafire), Patrícia Mergulhão.
Outro problema citado por Mergulhão é a sinalização de que os futuros data centers da Stargate – equipamentos que consomem muita energia – venham a usa energia fóssil, o que contribui para o aquecimento global.
O Recife e a IA
“A Inteligência Artificial já é uma realidade hoje. Muitas atividades como auxiliar administrativo, financeiro e contábil estão sendo aprimoradas com as ferramentas de IA já existentes. A IA está mexendo no meio da pirâmide”, conta o secretário de Ciência e Tecnologia da Prefeitura da Cidade do Recife (PCR), Rafael Cunha. Ele diz que a cidade já começou a se preparar para esta nova realidade e que cursos técnicos de curta duração podem dar essa capacitação para profissionais usarem IA no trabalho.
Rafael Cunha cita dois exemplos de IA que vem sendo usado pela prefeitura para incluir as pessoas. Uma é o GO Recife, uma plataforma que facilitar o acesso das pessoas ao emprego. O secretário também citou como exemplo o próprio aplicativo da PCR, o Conecta Recife, no qual o cidadão que não sabe ler, pode gravar um áudio informando o serviço que está precisando. “A IA possibilita o encaminhamento para o serviço adequado. Em vez de olhar para a IA como um risco, pode olhar como uma forma de inclusão”, argumenta Cunha.
A PCR também tem outra experiência interessante na área de formação de mão de obra em TI. Ela paga bolsas de cursos de TI em universidades particulares do Recife para estudantes que vieram das escolas públicas, que são escolhidos pela nota do Enem. “O curso é de tecnólogo, mas conta como uma graduação. Mais de 70% dos que concluíram saírem empregados. É um exemplo de política pública”, fala Rafael Cunha. Já foram formados mais de 2 mil alunos. E um Projeto de Lei do deputado federal Pedro Campos (PSB) propõe implantar a iniciativa nacionalmente.
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