A mobilização ostensiva dos estados nordestinos para atraírem polos de H2V visa uma aposta para o futuro, mas já vem estimulando pesquisas nas universidades da região que atraem atenção da comunidade científica internacional.
Na Paraíba, um estudo na UFPB tem como objetivo o desenvolvimento de um eletrocatalisador para reduzir o consumo de energia no processo produtivo do hidrogênio verde. No Ceará, a UFC vem realizando experimentos com casca de camarão para substituir uma membrana sintética, o nafion, na fabricação do “combustível do futuro”.
Na Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa, o projeto foi desenvolvido pelo aluno Andrei Fellipe Veríssimo, entre os anos de 2019 e 2021, para dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação de Química (PPGQ). O experimento foi orientado pelo professor Fausthon da Silva, em parceria com cientistas da Romênia.
O trabalho identificou um novo material – baseado na junção de óxido de cobalto (Co3O4) com carvão ativado – que pode tornar a produção do hidrogênio verde mais eficiente e com um custo menor.
A ideia é utilizar o insumo como eletrocatalisador, ou seja, um produto para acelerar a separação das moléculas da água (hidrogênio e oxigênio), matéria-prima do hidrogênio verde. O processo tem potencial para reduzir o consumo de energia – atualmente, muito elevado – na fabricação do hidrogênio verde.
Os resultados do estudo extrapolaram as fronteiras do Brasil e foram publicados como artigo na edição mais recente do periódico científico Dalton Transactions, editado pela sociedade científica inglesa Royal Society of Chemistry (RSC).
H2V: como funcionam os eletrocatalisadores?
O método mais sustentável para produção do H2V é a eletrólise do H2O, ou seja, a decomposição química do líquido em dois gases – hidrogênio e oxigênio – por meio da passagem de uma corrente elétrica – gerada de forma “limpa” – pela água.
No entanto, a fabricação em larga escala exige grande consumo de eletricidade para a quebra das moléculas, o que demanda uma infraestrutura robusta, com investimento bilionário em energias renováveis.
O eletrocatalisador desenvolvido por Andrei Fellipe é considerado pela academia uma alternativa para diminuir esse gasto de energia, pois a substância intensifica a reação química na água.
Como o novo eletrocatalisador de H2V funcionou nos testes?
Nos ensaios da universidade paraibana, foram utilizadas técnicas físico-químicas para originar o óxido de cobalto (Co3O4) e depois acrescentar essas nanopartículas ao carvão ativado. Nos testes, a substância apresentou performance igual ou superior a de outros materiais com as mesmas propriedades, listados pela literatura científica da área.
Além do desempenho, que pode superar o de outros eletrocatalisadores já conhecidos, o produto criado na UFPB tem mais duas vantagens, de acordo com o orientador do trabalho. “São utilizados materiais de fácil aquisição aquisição e baixo custo”, defende Fausthon da Silva.
“Atualmente, as empresas querem novas matérias-primas que são obtidas em experimentos simples de laboratório e partindo de reagentes químicos de valor comercial acessível”, frisa o professor.
“Em nossa pesquisa, usamos carvão ativado comercial, uma substância muito barata e abundante. Adicionalmente, realizamos uma síntese que usa apenas um béquer e um forno tipo mufla, equipamentos que você pode encontrar, em versão portátil, em qualquer laboratório, por mais simples que seja”, explica o professor Fausthon.
Eletrocatalisador barato pode acelerar H2V
Os equipamentos citados por Fausthon da Silva são bastante simples. O béquer ou copo de precipitação é um recipiente – de vidro, plástico ou metal – com formato cilíndrico, fundo chato, bico na parte superior e escala graduada impressa, para que as medidas sejam precisas.
Já o mufla é um forno destinado à processos que exigem altíssimas temperaturas – 1.200°C ou mais. Além dos compactos, usados em experimentos científicos, existem modelos em escala industrial, usados em diversos tipos de negócios, como as calcinadoras.
É essa simplicidade que anima Andrei Fellipe. Ele frisa que “os benefícios do novo eletrocatalisador, aliando baixo investimento com alta performance, podem incentivar a adesão das empresas ao hidrogênio verde como solução energética, proporcionando tração ao processo de descarbonização da economia”.
No Ceará, até camarão impulsiona o H2V
Na Universidade Federal do Ceará, uma pesquisa de doutorado do físico Santino Loruan também vem despertando interesse da academia e virou até negócio. No trabalho, realizado no Laboratório de Mecânica da Fratura e Fadiga (LAMEFF), Santino Loruan desenvolveu uma tecnologia mais barata e sustentável para a fabricação do hidrogênio verde
O pesquisador criou uma membrana de quitosana – obtida a partir da casca do camarão ou caranguejo – para uso nos eletrolisadores de H2V. O material substitui o insumo utilizado atualmente nesse processo, com diversas vantagens, especialmente nos estados nordestinos.
O custo de produção é baixo, a matéria-prima é abundante na região e o produto é biodegradável, ao contrário do nafion, um polímero desenvolvido nos anos 1960, cujo descarte gera impacto ambiental.
Sem perda de tempo diante do potencial desse insumo e da febre do ouro em relação ao H2V que assola o Nordeste, a UFC já patenteou a membrana. “A quitosana agora é um produto, uma tecnologia 100% nacional, que entra no mercado do hidrogênio verde e passa a competir com outras membranas”, comemora o coordenador do Lameff e orientador da pesquisa, Enio Pontes.
H2V cearense com biomassa da caatinga
No Ceará, outro estudo visa impulsionar o H2V e deixar o combustível do futuro mais “nordestino”. Trata-se de uma parceria entre Universidade Estadual do Ceará e o Instituto de Gestão, Redes Tecnológicas e Energias, focada no uso de biomassa de espécies da caatinga, como a palma forrageira, na produção do hidrogênio verde.
“O objetivo é, caso comprovada a viabilidade, incentivar o cultivo dessas espécies, incorporando a população do semi-árido cearense à cadeia do H2V“, explica a pesquisadora do Irede e mestre em Ciências Físicas Aplicadas pela Uece, Natasha Batista.
Os vegetais vêm sendo analisados em diversos experimentos, desde a produção de etanol que substituiria a água na industrialização do combustível até a geração de energia a partir de biodigestão (processamento de matéria orgânica).
Recentemente, o trabalho ganhou um estímulo de peso. Os líderes do projeto inscreveram o trabalho no Fundo de Desenvolvimento Econômico, Científico, Tecnológico e de Inovação (FUNDECI) do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). A iniciativa foi aprovada e vai receber R$ 1 milhão.
Mas não são apenas as plantas da caatinga que estão na mira dos pesquisadores para “regionalizar” o hidrogênio verde. Na UFC, um projeto semelhante ao da Uece e Irede, testa o etanol de caju – fruta tipicamente nordestina – como matéria-prima para a industrialização de hidrogênio verde.
Os planos do time à frente do trabalho não são nada modestos e incluem, caso a viabilidade seja comprovada, defender a criação de um programa de incentivos à construção de uma rede de biorrefinarias e usinas de álcool de caju integrada à indústria do hidrogênio. Pelo jeito, se depender dos cientistas paraibanos e cearenses, o H2V só falta dançar forró.
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