O presidente do Banco do Nordeste, Paulo Câmara, foi o anfitrião da 54ª Reunião da Associação Latino-Americana de Instituições Financeiras de Desenvolvimento (Alide). Durante quatro dias ele recepcionou executivos de bancos de 26 países da América Latina para discutir temas muito atuais, como crise climática e sustentabilidade, e também questões políticas, que passam pelo fortalecimento dessas instituições.
Câmara, que foi governador de Pernambuco por oito anos, agora se vê na missão de ajudar a desenvolver não apenas um, mas os nove estados do Nordeste e ainda as regiões semiáridas de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Nesta entrevista concedida ao Movimento Econômico entre uma programação e outra da Alide, Paulo Câmara revela para quais potenciais da região o banco está olhando, defende a reindustrialização e reclama por políticas públicas para economia criativa, uma das forças do Nordeste. Ele lembrou que o governo Bolsonaro ignorou o setor cultural do país, gerando um prejuízo enorme para essa cadeia produtiva, e que agora é preciso sanar os danos causados. Confira os principais pontos da entrevista de Paulo Câmara.
Bancos de 26 países discutiram na Alide como financiar o desenvolvimento diante dos desafios globais atuais, como a sustentabilidade. Como o Banco do Nordeste está se preparando para esse desafio?
Os conceitos de sustentabilidade estão presentes em todas as políticas públicas que o Banco do Nordeste financia, mas sempre é preciso fazer ajustes. Estamos num caminho sem volta. A sustentabilidade é um conceito antigo, que agora precisa ser aplicado. Não dá mais para conviver com desenvolvimento econômico sem que ele esteja atrelado ao desenvolvimento social, sem ter uma política de proteção ambiental junto disso. Então, isso pesa cada vez mais na balança na hora de priorizar a aplicação dos recursos do banco. Trabalhamos com planejamento para os próximos dez anos. É um período de médio prazo, mas nesse intervalo, muita coisa muda. Por isso, buscamos conhecer as experiências vivenciadas no Brasil e no mundo para estarmos em sintonia com essas mudanças.
Em que áreas o BNB tem atuado mais com o viés da sustentabilidade?
Há no banco uma política definida de sustentabilidade, seja de apoio à energia renovável e aos biomas existentes, seja de apoio às ações que envolvem os recursos hídricos. Criamos uma agenda e estamos avançando com objetivo de apoiar estados e municípios no saneamento básico. Eles precisam universalizar esse serviço, já que menos de 30% de nossas cidades contam com saneamento. Essa é uma política que se bem aplicada nos coloca em sintonia com a sustentabilidade, porque não estamos falando apenas de saúde pública, mas de destinação de resíduos, de reutilização de recursos hídricos e de proteção do meio ambiente. Eu acredito que estamos num caminho sustentável em relação a esses grandes empreendimentos e grandes financiamentos.
Durante sua palestra na Alide, a economista Tânia Bacelar, da Ceplan Consultoria, sugeriu que o BNB crie uma forma de apoiar a economia criativa, que é uma das forças econômicas da região. O BNB tem um instrumento muito forte, que é o microcrédito, nas modalidades Crediamigo e o Agroamigo, e ele chega junto do pequeno empreendedor. Como esse instrumento poderia beneficiar a economia criativa?
O Crediamigo já está preparado para isso. Mas é preciso haver políticas públicas que tenham um olhar para a economia criativa. Não é só financiar as atividades. Tem que ter estratégia para fazer a atividade prosperar. Temos muitos artistas aqui, muita gente talentosa no artesanato, nas artes plásticas, na música, mas tem que ter um sistema de integração nos estados e municípios. Precisamos de uma política de estado para a economia criativa. Não dá para começar e depois parar, fazer ações pontuais. Não funciona assim. Temos um exemplo triste no Brasil, quando o governo passado, de Bolsonaro, ignorou o setor cultural do país, sua história e o talento das pessoas. E isso teve um preço e agora precisamos recuperar as perdas que isso causou.
Como o banco tem ajudado o setor cultural?
O Ministério da Cultura está atento aos problemas do setor e tem nos procurado. Estamos apoiando alguns arranjos produtivos, como o Projeto Cariri, que será lançado em breve e que envolve o Cariri cearense, onde já temos um centro cultural, algo que pode ser ampliado para outras regiões. Vejo isso com entusiasmo, porque isso contempla valores da economia criativa e quando você fala de uma região onde 70% do PIB é serviço, dentro desse serviço tem um impacto muito grande da economia criativa.
O senhor governou Pernambuco por oito anos e agora ocupa um cargo que lhe permite um olhar mais aguçado sobre o Nordeste. O que lhe parece mais desafiador na região?
O Nordeste por si só é desafiador porque é muito grande. Somos maiores que muitos países desenvolvidos. É uma região muito diferente, muito desigual, mas de muito potencial. No setor agrícola, a produção de grãos, por exemplo, está restrita a Matopiba (área que reúne parte do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). A fruticultura está mais concentrada no Vale do São Francisco (Pernambuco e Bahia). Mas temos muitas áreas que podem passar pelo mesmo processo de irrigação, com enorme potencial econômico, de alta produtividade, áreas que precisam ser olhadas.
Temos ainda o processo de industrialização, que é uma agenda passada, mas que no Nordeste nunca foi consolidada e isso precisa ser feito sobre novas bases, considerando a sustentabilidade. Nós precisamos apoiar o potencial industrial que ainda resta na região. E não podemos esquecer o coração, que é o setor de serviços. Temos que olhar o potencial de cada estado e ver onde podemos aplicar melhor esses recursos.
O que o encontro da Alide deixa como legado?
A Alide deixa claro a importância de fortalecer os bancos de desenvolvimento na América Latina. E isso não é algo fácil quando envolve uma região como esta. Basta ver o Brasil recente, quando o governo de Jair Bolsonaro questionou o papel desses bancos. E isso acontece em outros países também. Por isso, a Declaração de Fortaleza reforça a importância desses bancos. Também nos deixa a importância de nos fortalecermos para enfrentar as mudanças climáticas e a pauta de sustentabilidade. O exemplo do Rio Grande do Sul é importante para mostrar que estamos sujeitos às catástrofes. Somos uma região com muitas diferenças, mas temos pontos em comum, como as desigualdades sociais e regiões de extrema pobreza. Tem muita coisa que a declaração fortalece, mas principalmente o papel que podemos exercer no planejamento do futuro, com esse olhar de conter a desigualdade e a mudança climática.
Depois de seu ingresso no BNB, a política ficou de lado?
Nós exercemos aqui um papel político. O banco faz parte das políticas do governo federal. Estamos sempre falando de política. Mas é evidente que num cargo federal ou à frente de um órgão regional, como é o meu caso, ficamos limitados a questões locais. Não temos tanto tempo para as conversas sobre política internamente. Mas é um processo dinâmico. Teremos eleições municipais e logo após sempre há mudança de configuração e vamos continuar conversando para ajudar Pernambuco e o Nordeste. Sabemos que a política é um instrumento de mudança e não vou nunca me desvincular. Até porque entrei na política como governador e não é porque deixei de ser governador que não continuarei trabalhando e buscando ajudar meu estado, seja como presidente do banco, seja como agente político.
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