Carlos Nobre: 4 perguntas para o meteorologista sobre desastres no NE

Veja essa entrevista exclusiva com Carlos Nobre, uma das maiores autoridades do mundo em aquecimento global
Carlos Nobre fala sobre o cenário atual dos desastres, naturais ou não, no Nordeste e no Brasil
Carlos Nobre defende que as políticas já existentes de convivência com as mudanças climáticas, como a de Pernambuco, precisa sair do papel com urgência /Foto: Tiziana Fabi (Getty Images)

Carlos Nobre, brasileiro, paulista, 73 anos, engenheiro com doutorado em Meteorologia, membro do Conselho Científico da Secretaria-Geral da ONU, da Academia de Ciências dos Países em Desenvolvimento e senior fellow da divisão brasileira do World Resources Institute.

Na segunda e última reportagem sobre as catástrofes no Nordeste, tivemos uma conversa exclusiva com ele, que é uma das maiores referências em aquecimento global no mundo e autor da teoria da savanização da Amazônia.

Essa entrevista foi uma tentativa de entender o quão próximos ou distantes os governos estaduais nordestinos estão do que é necessário de fato para a prevenção e enfrentamento dos desastres, naturais ou não. Confira.

“Lidar com fenômenos extremos exige investimentos na casa de centenas bilhões de reais por ano, algo proporcional ao tamanho do desafio”, diz Carlos Nobre

ME: Os estados do Nordeste lidam com as catástrofes em série geradas, por exemplo, pela mudança climática com estratégias tradicionais, na maioria dos casos. Na Bahia, por exemplo, houve investimento pesado, de R$ 1,5 bilhão, em 4 anos, em obras de prevenção de enchentes e deslizamentos e reconstrução de infraestrutura. Essas ações são o suficiente?

Carlos Nobre: Logicamente é bom que a Bahia tenha investido alguma coisa como R$ 400 milhões por ano na prevenção de enchentes, deslizamentos, reconstrução da infraestrutura. Mas é um valor muito modesto. A Bahia tem tido inúmeros eventos extremos que destroem, como chuvas excessivas. São necessários investimentos de uma ordem muito maior.

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Veja o que aconteceu lá no Rio Grande do Sul, agora, ali, para recuperar aquela região, para tornar as populações muito mais resilientes, para tirar as populações das áreas de super risco. Vai precisar de centenas, centenas e centenas de bilhões de reais.

Na Bahia, as chuvas extremas derrubam casas, pontes, rodovias, causa alagamentos nas cidades, provocam mortes. Então, o investimento que vem sendo feito é muito pouco diante de uma necessidade na casa dos bilhões por ano.

“As populações de áreas de altíssimo risco terão que ser transferidas, mesmo numa escala de alguns anos. Estamos falando de 4 milhões de pessoas em 2 mil municípios”, afirma Carlos Nobre

ME: Que tipo de políticas precisam ser adotadas pelos governos nesse novo normal, com fenômenos extremos cada vez mais frequentes e com menor intervalo?

Carlos Nobre: Esses extremos de chuvas intensas, secas muito severas, ondas de calor incêndios na vegetação, em florestas, quebra de safras. Tudo isso vem se expandindo rapidamente em todo o mundo. Em 2023 e 2024 batemos recorde de temperatura no planeta, com um aumento de temperatura de 1,5 grau

Então é muito importante que todos os países, o governo federal no Brasil, governos estaduais, governos municipais, que todos busquem políticas partindo de uma premissa básica: a redução de emissões de CO2. E isso tem que ser a jato para não deixar a temperatura subir muito além de 1,5 grau. Nós precisamos reduzir em 50% as emissões globais até 2030 e depois zerar as emissões antes de 2050. E nós não estamos indo nessa trajetória.

No caso do Nordeste, como do Brasil uma política que precisa ser implementada de imediato é mapear todas as áreas de risco, como áreas de inundações, enxurradas deslizamento de encostas. Junto com esse mapeamento, temos que melhorar imensamente nosso sistema de defesa civil.

Um exemplo: como alertar as populações nessas áreas de risco para não perderem a vida? São pouquíssimas as cidades – talvez apenas na região serrana do Rio de Janeiro – que têm sirenes avisando que os rios vão transborar e destruir tudo pela frente. Isso também precisa existir nas encostas, pra evitar tragédias como as que aconteceram na Bahia e Pernambuco.

Junto com isso, as populações brasileiras têm que ser educadas para se tornarem mais resilientes. O melhor exemplo disso é o Japão. Desde o ensino fundamental, as crianças são educadas com relação aos riscos dos desastres, principalmente os terremotos, que não têm previsibilidade. Nós não temos terremotos, mas temos no Nordeste e no Brasil desastres “naturais” recorrentes na mesma escala de destruição.

É necessário também preparar locais em que as populações possam se abrigar quando o desastre estiver na iminência de ocorrer.

Ainda no aspecto do mapeamento e gestão de risco, todas as populações de área de altíssimo risco terão que ser deslocadas, transferida para moradias em local seguro, mesmo que seja em alguns anos. Não será algo possível do dia pra noite, já que estamos falando de aproximadamente 4 milhões de pessoas em 2 mil municípios do país.

ME: Além das intempéries e desastres já conhecidas no Nordeste, podemos ter novos tipos de eventos extremos

Carlos Nobre: Pouca gente no Brasil sabe que ondas de calor são o evento extremo que mais leva à morte de populações em todo o mundo. Em nosso país, convivemos com esse fenômeno, sem dar a devida atenção, porque o brasileiro é um pouco mais adaptado a climas quentes. Mas podemos ter intempéries desse tipo em que bebês, crianças e idosos não sobrevivam. Então, nós precisamos preparar o sistema de saúde para ondas de calor recorde. Elas virão.

“É fundamental uma grande restauração florestal, de todos os biomas, da caatinga. Com isso, é possível diminuir a temperatura e reduzir extremos climáticos”, defende o meteorologista

ME: Pernambuco foi pioneiro na criação de uma lei estadual para convivência com as mudanças climáticas, em 2010. Hoje, a maioria dos estados tem esse tipo de instrumento, mas sem resultados efetivos. O que falta para concretizar essas medidas?

Carlos Nobre: Tivemos Pernambuco em 2010, depois outros estados e o governo federal, que em 2016 criou uma política nacional de adaptação às mudanças climáticas. De lá prá cá, os eventos extremos só pioraram. Seca na Amazônia, incêndios na floresta amazôniza, chuvas muito fortes no Sul.

Infelizmente, essas políticas foram muito pouco implementadas. O Ministério do Meio Ambiente admitiu isso recentemente. Precisamos dar uma super aceleração na execução desses instrumentos que já existem e também em medida para proteção de todas as populações, da biodiversidade, da agricultura, e tudo isso vai exigir sistemas de grande adaptação às mudanças climáticas.

Outra questão fundamental é uma grande restauração florestal. Se nós restaurarmos áreas desmatadas, degradadas, com florestas, com todos os biomas, recuperarmos a caatinga, diminui o extremo climático, diminui a temperatura.

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