O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, justificou ontem, em carta enviada ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o descumprimento da meta de inflação no ano passado.
Neto aponta o encarecimento das commodities (bens primários com cotação internacional), os gargalos nas cadeias de produção globais e a inércia de reajustes do ano anterior como os principais responsáveis por pressionar os preços em 2022.
De acordo com o presidente do BC, a inflação só ficará dentro da meta a partir de 2024, quando deverá ficar em 3%, e em 2025 (2,8%). Para esses dois anos, o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabelece uma meta de 3% para o IPCA, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual. Em 2022, a meta estava em 3,5%, com a mesma margem de tolerância, e podia variar entre 2% e 5%.
Inflação fora da meta em 2023
Segundo o documento, a autoridade monetária prevê que a inflação oficial pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cairá de 5,79% em 2022 para 5% em 2023. Mesmo assim, ficará acima da meta para este ano, fixada em 3,25%, podendo chegar a 4,75%, por causa da margem de tolerância de 1,5 ponto percentual.
A volta da cobrança de tributos sobre os combustíveis que tinha sido reduzida em 2022, destacou o presidente do BC, terá impactos na inflação deste ano. “Nesse cenário, em 2023, a inflação ainda se mantém superior à meta, em virtude principalmente da hipótese do retorno da tributação federal sobre combustíveis nesse ano e dos efeitos inerciais da inflação de 2022”, escreveu Campos Neto na carta. A inércia inflacionária corresponde a reajustes atrelados a preços corrigidos pela inflação do ano anterior, como aluguéis.
Obrigação
Pela legislação em vigor desde o fim da década de 1990, o presidente do BC precisa enviar uma carta ao ministro da Fazenda justificando o descumprimento das metas de inflação estabelecidas pelo CMN. Essa foi a sétima vez que isso ocorreu.
Em 2003, 2004, 2005, 2017 e 2021, 2022, o Banco Central enviou cartas porque o IPCA dos anos anteriores havia estourado o teto da meta. Em 2018, a autoridade monetária enviou uma carta porque a inflação havia ficado abaixo do piso.
No ano passado, o IPCA ficou em 5,79%. Segundo o IBGE, a alimentação foi o principal item responsável por fazer a inflação estourar o teto da meta pelo segundo ano seguido.
Segurar a carestia, portanto, será um desafio para o governo que se inicia neste ano pretendendo restabelecer programas de distribuição de renda, visto que a alta prevista pelo boletim Focus para o acumulado de 2023 subiu de 5,31% para 5,36%.
Visão do mercado
Para André Morais, presidente do Conselho Regional de Economia de Pernambuco (Corecon – PE), parte dessa alta nos preços ainda se deve à retomada do setor de serviços, bastante afetado na pandemia. Ele aponta, por exemplo, as passagens aéreas, com alta de 23,53%, e hospedagem, que subiu 18,21%”.
O economista explica que alguns grupos com peso maior no cálculo do IPCA ajudaram a puxar a inflação acima da meta. “Alimentos e bebidas, por exemplo, teve alta de 11,64%; saúde e cuidados pessoais, alta de 11,43%; e vestuário acumulou alta de 18,02%, respectivamente. Por outro lado, o segundo grupo que mais pesa no cálculo, o de transportes, teve uma queda de -1,29%”.
O cenário, para Morais, é de incertezas. “Dois destaques que ainda preocupam e que deverão ser o centro das atenções, é em relação ao aumento dos gastos do governo e como ficará a questão da desoneração dos combustíveis”, diz o presidente do Corecon.
Riscos
Morais afirma que desequilíbrio fiscal é um risco. “O mercado está um pouco ansioso com o que vem pela frente e, de certa maneira, com razão”, devido à pressão inflacionária que tornará este um ano desafiador. “Alguns agentes conhecem o jeito do PT de governar, o próprio governo sinaliza que pretende aumentar os gastos públicos, porém, precisamos lembrar que o cenário é bem distinto daquele dos governos Lula I e II. Inflação no mundo, vai precisar agir para reequilibrar as contas, gerar empregos, porém com bastante cautela na questão fiscal”, diz o presidente do Corecon.
Por outro lado, ele reconhece a necessidade de rever gastos em área consideradas prioritárias, como saúde e educação, que sofreram com grandes cortes de verbas no governo Bolsonaro, enquanto os programas sociais continuam sendo de extrema importância para o combater a fome e a desigualdade social.
“É preciso encontrar caminhos para unir essas frentes”, diz o economista, que enxerga uma “excelente oportunidade” para colocar em pauta, mais uma vez, a reforma tributária, alegando que ela “pode nos ajudar a reequilibrar a desigualdade e, ao mesmo tempo, ajudar as empresas com menos complexidade tributária”.
Valdeci Monteiro, economista da Consultoria Econômica e Planejamento, afirma que no período que se inicia com um novo governo a principal preocupação é a pressão que a dívida acumulada e os gastos públicos necessários para o orçamento do primeiro ano do novo governo podem trazer sobre a inflação, refletindo sobre o nível de juros e, consequentemente, sobre o potencial de investimentos e crescimento da economia.
Fiepe
Cézar Andrade, economista da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), também aponta a escassez de matéria-prima, detectada pela Sondagem Industrial realizada pela FIEPE, como uma das razões para o estouro da meta.
“A dificuldade em encontrar os insumos e as matérias-primas encarece os fatores de produção e esse peso recai no produto final”, diz. Assim como o presidente do BC, Andrade também ressalta que o preço das commodities, agravada pelo conflito entre a Rússia e Ucrânia, pressionou o IPCA para cima. “Nesse período, foi visto um aumento no preço do petróleo e, consequentemente, também dos combustíveis. Como nosso modal é praticamente todo rodoviário, o preço do frete subiu e isso também encarece o produto final. Temos também a escassez de fertilizantes, escassez de trigo, produzidos nos países em conflito, que afetou também os preços dos alimentos no Brasil”, explicou Cézar, que avalia o cenário como “preocupante”.
De olho no futuro
O economista e professor da Universidade de Pernambuco (UPE), Sandro Prado, analise que em 2022 a inflação não foi ainda maior porque o Banco Central “calibrou, de forma até exagerada”, a taxa de juros Selic para 13,75% ao ano, o que contribuiu para a que a taxa não superasse os dois dígitos, como aconteceu em 2021.
Ele avalia que, para 2023, é preciso de políticas “mais sólidas” do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, para que as safras de produtos focados no mercado interno tenham aumento da oferta, “gerando inflação menor neste grupo”.
Um dos entraves à redução da inflação em 2023, alerta, é o equilíbrio fiscal, devido aos planos do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de restabelecer programas sociais.
O professor avalia que este temor do mercado é precipitado. “Apesar do governo apontar claramente que precisa de mais recursos, muitos ‘especuladores’ aproveitam o momento de instabilidade e mudanças de rumos nas políticas de desestatização e concessão para obterem lucros com a forte instabilidade no preço das ações”, argumenta o economista.
Na visão de Sandro, a nova política fiscal prometida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o primeiro semestre de 2023, poderá amenizar o temor do mercado, uma vez que “o orçamento herdado de Bolsonaro é insuficiente para a retomada de políticas públicas”, e “ter dinheiro extra será essencial para o sucesso de diversos ministérios em 2023. É uma árdua tarefa para se negociar com o Congresso e o Senado”.
O professor também espera uma melhora na relação do Governo Federal com o Congresso, a partir de fevereiro, e o controle da situação de segurança pública em Brasília, fatores que “serão determinantes para a melhoria dos índices econômicos como o PIB, A SELIC e o IPCA”.
*Com informações da Agência Brasil
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