Manejo florestal na Caatinga gera oportunidades de negócio sustentável com ‘madeira verde’

Técnicas de manejo e agricultura de baixo carbono surgem como solução que garante emprego, renda e lucratividade
A madeira extraída da Caatinga fornece energia barata e renovável, mas é explorada de maneira majoritariamente predatória. Foto: Wikimedia Commons

A lenha oriunda da Caatinga, movimenta cerca de R$ 2 bilhões por ano com sua extração e comercialização para fins industriais, segundo estudo realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério do Meio Ambiente. A maior parte da madeira é extraída sem técnicas que garantam sua sustentabilidade. Nesse cenário, a implementação de técnicas de manejo florestal e agricultura de baixo carbono – que conferem à lenha o selo de “madeira verde” – surgem como solução que garante emprego, renda e lucratividade ao produtores rurais.

Escassez de planos de manejo

Dados divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente no ano de 2010 já mostraram que o único bioma exclusivamente brasileiro, possui apenas a metade de sua cobertura vegetal original. A falta de planos de manejo adequados para a região é uma das razões que leva a uma exploração pouco sustentável da madeira – dados do Centro Nordestino de Informações sobre Plantas (CNIP), mostram que em 2018 havia 473 Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) ativos na região da Caatinga, numa área de 283 mil hectares, o equivalente a 0,6% da área de vegetação nativa sob regime de manejo florestal.

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Isso ocorre, principalmente, por uma questão de custo. O diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), vinculado ao Ministério da Agricultura, Valdir Colatto, explica que para aprovar um plano de manejo tem custos como a contratação de engenheiros florestais, elaboração de mapas e inventários florestais e o pagamento de taxas. “Isso fica muito caro para o produtor rural”.

É um grande problema, visto que para atender à demanda por lenha da indústria de forma sustentável, precisamos de pelo menos 2,5 milhões de hectares de áreas de manejo a mais do que existe hoje. Uma meta que exige políticas de apoio.

De acordo com o ex-diretor de desertificação do Ministério do Meio Ambiente e coordenador regional do Projeto Rural Sustentável Caatinga, Francisco Barreto Campello, não são apenas pequenas empresas localizadas no Agreste e Sertão que demandam lenha – a maior parte da demanda vem de grandes indústrias, a maioria situadas nas capitais. 

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“A lenha não só está presente nessas pequenas indústrias queijeiras, de cerâmica. Está presente em indústrias robustas por um detalhe: a energia da lenha é a mais barata que a gente tem, e com a crise energética ela ficou ainda mais emblemática. Como é que eu tenho dependência tão forte desse recurso e não tenho cuidado de manter ele sustentável?”, questiona Francisco. 

Ele continua, afirmando que o manejo florestal é a ferramenta técnica para organizar o uso sustentável da floresta, mas há um descuido enorme não apenas por parte dos pequenos produtores, mas principalmente por parte das empresas de grande porte. “Não é só a indústria do Sertão. A oferta da lenha está no semiárido, e o grande consumo, nos centros. Mais uma vez a energia do Sertão alimentando os grandes polos”. 

Francisco Campello levanta ainda uma discussão importante a respeito das decisões do poder público na demarcação de áreas de preservação – que devem se manter sem a ação humana – e das regiões que são destinadas ao manejo sustentável. De acordo com ele, experiências da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apontaram um ganho significativo de biodiversidade obtido por meio do uso sustentável de florestas da Caatinga. 

“Temos áreas no 3º ciclo de produção sustentável (cada ciclo dura 10 anos). A caatinga mostra que essa produção sustentável só qualifica a floresta, seja em produção, seja em biodiversidade. Quando a gente faz uma análise da qualidade da biodiversidade nessas áreas em produção, é igual, ou melhor, que em áreas protegidas”, explica o especialista.

Iniciativas para conscientização na indústria

A indústria do gesso do estado de Pernambuco é responsável por cerca de 95% da produção nacional desse material, e se torna competitiva no mercado interno justamente por gerar energia através da madeira – o que torna o preço final do produto mais baixo. 

O problema é que, como bem aponta Francisco Campello, dados de 2010 aponta que 20% da madeira era sustentável, 30% vinha de uso alternativo do solo e 50% de origem não comprovada (e possivelmente ilegal). 

Uma tentativa de mudar essa realidade por meio da conscientização do setor, aliada à pesquisa científica, aos órgãos de controle do estado e o Sindicato da Indústria do Gesso do Estado de Pernambuco (Sindusgesso) está sendo organizada pela Fundação Araripe. Ela busca estabelecer os termos e firmar um pacto com a indústria gesseira no sentido de torná-la sustentável econômica e ecologicamente através do uso de madeira verde.

Francisco, coordenador regional de projetos para desenvolvimento da agricultura de baixo carbono na Fundação Araripe, explica o trabalho que tem sido desenvolvido junto à indústria gesseira do Sertão pernambucano – famosa por consumir muita madeira não certificada e ter problemas em fiscalizações ambientais e trabalhistas.

“Estamos construindo um pacto para a sustentabilidade na região do Araripe, envolvendo a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Pernambuco, o Sindicato da Indústria de Gesso de Pernambuco (Sindusgesso). Criamos uma câmara setorial coordenada pela Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe) e, dentro dela, um grupo de trabalho que vê a parte de comercialização, qualificação tecnológica do processo, e colocamos a sustentabilidade da matriz energética, porque 99% das indústrias do gesso são a base de lenha”, disse Francisco. 

O diretor de desertificação do Ministério do Meio Ambiente conta que os estudos realizados no âmbito da Fundação Araripe apontaram um cenário muito promissor no que diz respeito ao potencial de produção de biomassa sustentável na região. 

“A gente fez um estudo e viu que um raio econômico (cerca de 150 km) tem 1 milhão de hectares de Caatinga com potencial para uso sustentável, vimos que não tem conflito entre o polo gesseiro e o potencial da região. O polo gesseiro, para ser sustentável, precisa de 140 mil hectares de Caatinga sob manejo florestal. Uma área dessa atende a demanda para sempre”, explicou Francisco.

Industria gesseira precisa de 140 mil hectares de Caatinga sob manejo florestal para ser sustentável/foto: Divulgação Fiepe

O esforço da Fundação Araripe no momento é conscientizar a indústria sobre o fato de que é possível produzir mais, de modo sustentável, com um recurso renovável e grande geração de emprego e renda. O objetivo final é concluir o pacto pela sustentabilidade e conseguir a adesão de empresários do setor.

“O recorte da Fundação Araripe é trazer sustentabilidade para a região através de um pacto, um despertar de consciência. Como a gente está sensibilizando? Temos estudos para mostrar que o manejo florestal agrega valor no mercado de carbono, que pode ser aplicado de modo viável na região. Estamos sensibilizando o polo gesseiro e articulando com o governo do estado para que eles façam adequações, modernize o processo de licenciamento, incorporando o avanço da ciência e seja mais célere nas análises de propostas da região”, disse Francisco.

Incentivo à sustentabilidade

Atualmente, estão em curso projetos que visam ampliar as áreas com planos de manejo sustentável nas comunidades que estão nas regiões onde impera a Caatinga, com o objetivo de dar sustentabilidade e renda a essas populações por meio da produção de “madeira verde” tanto para a indústria local quanto para atender à demanda de grandes empresas e da população que utiliza lenha para cozinhar na zona rural e em periferias urbanas. 

Um órgão que tem buscado apoiar o manejo florestal em áreas comunitárias nos assentamentos do Incra e do Programa Nacional de Crédito Fundiário (FNDC) é o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), auxiliando a elaboração de mais de 100 planos de manejo florestal comunitário prestando assistência técnica direta aos agricultores. 

Há também o Plano ABC, coordenado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que há 10 anos implementa ações visando a adoção de tecnologias de produção sustentáveis com o objetivo de atender as especificidades de cada bioma na próxima década, com atenção especial à Caatinga. 

O Projeto Rural Sustentável Caatinga (PRSC), iniciativa financiada pelo Fundo Internacional para o Clima do Governo do Reino Unido, em cooperação com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), também conta com a participação do MAPA. Segundo a assistente executiva do PRSC, Liana Germunder, “a meta até outubro de 2022 é implantar o manejo sustentável numa área de 600 hectares em 37 municípios localizados dentro do bioma Caatinga. O objetivo é beneficiar diretamente 1500 membros de famílias rurais”.

Exemplo de sucesso

Um projeto exitoso a se destacar no que diz respeito à implementação do manejo sustentável para produção e extração de madeira verde na Caatinga é o assentamento PA Croatá/Jandaíra, localizado no município de Russas (CE), onde 19 famílias se organizam na Associação Croatá-Jandaíra. 

Em 2018, a população teve o suporte do Serviço Florestal Brasileiro, do Incra e da Secretaria de Meio Ambiente do Ceará (Sema) na elaboração do Plano de Manejo, o que lhes rendeu autorização para a exploração sustentável de uma área total de 510 hectares, dividida em 15 talhões florestais.

O resultado? Em apenas dois anos de produção de madeira verde, os agricultores já conseguiram comprar um caminhão. “Em agosto de 2020 compramos nosso primeiro caminhão e agora nós mesmos entregamos a lenha em três indústrias de cerâmica que atendemos”, contou o tesoureiro da Associação, Raimundo Evanilson de Freitas, conhecido por Maninho.

Ele continua, explicando que cada uma das 19 famílias hoje tem uma renda média mensal de R$ 2 mil, e ainda sobram R$ 1,2 mil líquidos mensais para a associação. “Fazer o manejo sustentável mudou nossas vidas. Antes, não tínhamos conhecimento e trabalhávamos ilegalmente. Agora, tudo é certinho. Nossa produção mensal tem uma média de 400 metros estéreos. Estamos entregando um caminhão ainda esta semana por R$57,00 cada metro estéreo”, contou Maninho.

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