Por Juliana Albuquerque e Juliana Cavalcanti
A recomendação do Comitê Científico do Consórcio Nordeste de que o Carnaval e a realização de festas particulares com aglomeração sejam canceladas por conta do agravamento da pandemia do Covid-19 e do espalhamento da variante Ômicron causou preocupação nos segmentos econômicos que atuam diretamente nos setores de eventos, entretenimento, bares e restaurantes – que estão entre os mais afetados pelas restrições na circulação de pessoas nesses dois anos de pandemia. Mesmo apoiando as medidas de combate à pandemia, o setor está preocupado com a sobrevivência de vários tipos de negócios que foram bastante afetados e começavam a se recuperar com o avanço da vacinação.
O presidente do Movimento Pró-Pernambuco (MPP), Avelar Loureiro Filho, reconhece que não existe um consenso entre os empresários sobre as medidas, mas que a maioria dos setores apoia as iniciativas para controlar o agravamento da pandemia. “O MPP representa vários setores. Por isso, não há um consenso. De qualquer forma, a maioria apoia estas medidas, com a postergação destes feriados para outras datas, em feriados imprensados”, afirma Avelar Loureiro Filho.
Já o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Pernambuco (Abrasel-PE), André Araújo, destaca que a suspensão dos eventos tende a piorar a situação do setor e que os bares e restaurantes construíram um protocolo junto com o Governo do Estado para funcionarem em conformidade com as medidas sanitárias exigidas para restringir a transmissão do novo coronavírus.
“Só com o fato de o Carnaval de rua já ter sido suspenso no Estado, já se presume um enorme prejuízo para o setor de bares e restaurantes. Se essa extensão se der na esfera privada, só tende a piorar a situação. Construímos com o próprio Governo todo o protocolo sanitário em vigência há dois anos no Estado. Uma pesquisa científica da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) confirmou essa segurança, quando atestou que menos de 2% da disseminação do vírus acontecem em bares e restaurantes que seguem todos os protocolos sanitários e oferecem um ambiente seguro para seus clientes”, destacou o presidente da Abrasel-PE.
Para Tatiana Marques, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc-PE), é preciso defender os protocolos sanitários. Ela vê com preocupação a generalização em torno de todos os tipos de eventos, como se envolvessem o mesmo risco de transmissão do Covid-19, e cobra medidas de fiscalização sobre o cumprimento dos protocolos de prevenção.
“A Abeoc está muito preocupada com os últimos acontecimentos envolvendo os eventos. Porque somos os defensores dos cumprimentos dos protocolos. O nosso principal foco está sendo prejudicado, que são os eventos científicos e corporativos. O governo repetiu o erro do início da pandemia, quando a gente explicava que não pode comparar coisas desiguais; a exemplo de uma palestra com uma festa em que as pessoas estão dançado e bebendo. O que acontece é que se colocou tudo no mesmo bolo”, ressalta Tatiana Marques.
A presidente da Abeoc acredita que está faltando uma avaliação mais criteriosa sobre os tipos de eventos e seus riscos. “Uma coisa é um evento controlável, como um [evento] técnico, que tem um controle sobre os participantes. Está faltando discernimento sobre o setor. Colocam um show de teatro e avaliam com a mesma capacidade e regras de um show de rock. Os eventos precisam ser normalizados de acordo com o risco que oferecem”, acrescenta a presidente da Abeoc-PE para completar:
“Enfrentamos uma grande batalha, tanto que a retomada foi aos poucos e nunca chegou a liberar show irrestrito. Agora, com outra variante [do Covid-19], a medida que o governo toma é não conversar com o setor. Todo mundo quer conversar. Não quer genocídio, mas trabalhar e não morrer de fome. Tá sobrando para todo mundo porque as pessoas não estão cumprindo protocolo? Quem não tá cumprindo protocolo? Não fomos nós e a gente está pagando o preço. Em um evento que se pode ter um controle sanitário está sendo proibido. Com uso de bom senso e diálogo, vamos ver a melhor forma de se fazer. Agora está faltando diálogo”, cobra Tatiana Marques.
Relaxamento de medidas preventivas podem adiar fim da pandemia do Covid-19
O boletim divulgado nesta quinta (3) pelo Comitê Científico do Consórcio Nordeste faz um alerta sobre a situação da pandemia de Covid-19 no Brasil e recomenda o cancelamento das festividades de Carnaval e da realização de festas particulares com aglomeração.
Com o avanço da variante Ômicron – que tem um poder espalhamento muito rápido, a pandemia tem novamente alcançado recordes de casos e internações. No Brasil, a média móvel de óbitos subiu 174% nos últimos sete dias e recorde no número de casos nas últimas 24 horas, com 298 mil registros e 1.041 mortes nesta quinta. Desde o início da pandemia, o país registrou um total de 26.091.520 casos, com 630.001 óbitos. Ao todo, 23 estados e o Distrito Federal registram alta no número de mortes.
Apesar do avanço da vacinação contra o Covid-19 em todo o país, apenas o esquema vacinal com duas doses é insuficiente para conter a variante Ômicron. É o que ressalta Marcelo Paiva, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador da Frente de Vigilância Genômica do Vírus Sars-Cov-2 em Pernambuco. Ele explica que Comitê Científico do Consórcio Nordeste é uma instância consultiva e os governos estaduais não têm obrigação de seguir as recomendações ou justificarem as medidas adotadas para combater a pandemia, mas destaca que a situação atual da pandemia no país causa bastante preocupação.
“O que está acontecendo é uma situação bastante perigosa, uma situação que está dando bastante angústia. Apesar de a campanha de vacinação estar avançada, para esta variante, a ideia de passaporte vacinal com duas doses é defasada. O passaporte vacinal agora precisaria ser com as três doses, porque só assim existe uma proteção para esta variante Ômicro. E a realidade é que hoje apenas 20% das pessoas estão com a terceira dose”, explica o pesquisador.
Marcelo Paiva ressalta que as festas que continuam acontecendo estão repercutindo diretamente na saúde pública e na economia do país. “A quantidade de pessoas que estão doentes e não estão indo trabalhar, por exemplo. A superlotação dos postos de testagem e a ocupação das UTIs, que voltou a chegar perto dos 90%. Apenas proibir o Carnaval de rua, mesmo cobrando o passaporte vacinal e teste de antígeno para os eventos privados, não garante que o vírus não vai estar circulando. Neste sentido, é preciso um choque de realidade, diminuindo de fato a circulação de pessoas, porque corremos o risco de a pandemia entrar novamente num estágio de platô, em vez de os casos caírem”, alerta Paiva.
Entre os riscos apontados pelo coordenador da Frente de Vigilância Genômica do Vírus SarsCov-2 em Pernambuco está um ambiente facilitado para o surgimento de novas variantes do novo coronavírus, afetando diretamente a possibilidade de finalizar a pandemia. Ele apela para a consciência coletiva da população em contribuir para que as medidas adotadas pelos governos sejam respeitadas e possam de fato redundar no controle e, por fim, num momento pós-pandemia.
“Do ponto de vista do vírus, é muito bom que as pessoas estejam disponíveis pra ele. Questões como aglomeração e vacinas em atraso, facilitam demais a forma como o Covid-19 se replica. Quanto mais se deixa o vírus circular livremente na população, maiores são as chances de ele adquirir novas mutações. A gente tem que lembrar que existe um compromisso coletivo. Existe a responsabilidade do governo e a responsabilidade da gente. O governo é uma coisa, mas a gente tem uma parcela de culpa porque parece que agora a gente está apenas confiando nas vacinas”, complementa Marcelo Paiva.
Para o pesquisador, é preciso ter compromisso com os diferentes níveis de proteção contra o Covid-19 (distanciamento social, uso de máscara, medidas de higiene e vacinação em massa). “A gente está jogando tudo (toda a responsabilidade) em cima da vacina e o que está acontecendo é mais gente infectada e se reinfectando. O que também dá margem para argumentos de grupos negacionistas, que pregam inverdades contra a vacinação. O Comitê Científico do Consórcio Nordeste não está se baseando em questões subjetivas para emitir o alerta sobre aglomerações e festas. Está atento às informações e aos dados sobre aumento do número de casos, internações e ocupações de enfermarias e UTIs. Se deixar acontecer do jeito que está, a gente vai continuar nessa situação durante muito tempo”, finaliza.