Deputados estaduais anunciaram, nesta quarta-feira (5), a criação de uma frente parlamentar para acompanhar a concessão de serviços da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), que está em fase final de estudos e deve ser lançada em 2025. A medida buscará estreitar laços com membros envolvidos no processo na gestão da governadora Raquel Lyra (PSDB) e também com representantes de estados que seguiram modelos similares aos que Pernambuco pretende adotar, como Alagoas e Rio de Janeiro. A intenção é evitar situações como a vivenciada com a concessionária de energia elétrica Enel em São Paulo, que tem os serviços contestados em diferentes esferas de governo.
O anúncio foi feito durante reunião da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), que contou com a presença do presidente da Compesa, Alex Campos. O deputado Waldemar Borges (PSB), que propôs o convite ao dirigente, disse que a principal preocupação é que aspectos negativos de outras concessões feitas Brasil afora ocorram em Pernambuco, como o aumento de tarifa para o consumidor sem que haja uma percepção nítida de melhora nos serviços.
“Está todo mundo de orelha em pé em relação ao que está acontecendo em São Paulo com a energia elétrica. A gente sabe que uma questão muito sensível é o mosaico entre as situações deficitárias e as superavitárias. Se pegarmos Pernambuco, vamos identificar uma série de municípios em que o custo da oferta de água não consegue ser bancado. Então, é preciso ter uma relação cruzada entre municípios deficitários e superavitários. A partir do momento em que o serviço é concedido, em que nível isso vai ser garantido, uma vez que o setor privado vai buscar o lucro? Vejo a ameaça de a roda girar a favor dos municípios superavitários, o que nos preocupa em relação a sacrificar municípios que já têm mais dificuldade de acesso à água”, declarou o deputado.
Prejuízo em polo econômico e temor de tarifa elevada para o consumidor
O deputado Edson Vieira (União Brasil), um dos representantes do Polo de Confecções do Agreste na Alepe, disse que a região enfrenta períodos de 15 dias sem água e, em algumas localidades, até um mês inteiro sem fornecimento. Embora tenha reconhecido o alívio proporcionado por obras recentes na região, cobrou que os avanços cheguem com mais rapidez para resolver um gargalo que incomoda a cadeia econômica local. “Em toda aquela região de Santa Cruz do Capibaribe, Toritama, Taquaritinga do Norte, Jataúba, é só ir ao Polo amanhã que se vê. Como podemos falar de um distrito industrial sem água?”, questionou.
Como saída para essas preocupações, os deputados sugeriram que a frente parlamentar seja composta de forma suprapartidária para acompanhar de perto a fase final dos estudos de concessão da Compesa. Outra proposta é que conheçam de perto experiências já adotadas em Alagoas e no Rio de Janeiro, uma vez que, segundo a deputada Dani Portela (PSOL), há reclamações de que “não houve melhora significativa do serviço e de que houve aumento da tarifa para todo mundo, em especial, para quem usa a tarifa social” nesses estados.
Por não envolver a designação de servidores ou ter impacto orçamentário, a criação de uma frente parlamentar costuma ocorrer em poucos dias, a despeito de precisar de aprovação no plenário da Alepe. A expectativa, segundo parlamentares, é de que esse grupo esteja em funcionamento ainda este ano.
Compesa diz que 21 estados encomendaram estudos sobre concessão
Durante a reunião na Alepe, o presidente da Compesa, Alex Campos, voltou a ressaltar que o Governo de Pernambuco nunca cogitou recorrer a um processo que culmine na privatização da companhia, nem mesmo no início da fase de estudos contratados ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo o dirigente, “o modelo que está sendo olhado por Pernambuco” é o de Alagoas e o do Rio de Janeiro, que é o “modelo de concessão parcial dos serviços”.
“A Compesa hoje é responsável por toda a indústria da água, que pode ser dividida em quatro etapas: captar água no manancial, fazer o tratamento da água, distribuir a água e fazer a coleta e o tratamento de esgoto. O que se está pensando é a concessão parcial desses serviços. O que se está admitindo é que a Compesa possa operar nas duas primeiras etapas dessa cadeia, ou seja, produzir e tratar água, e que as duas etapas finais, que é distribuir água e coletar e tratar esgoto, sejam concedidas à iniciativa privada. A Compesa continuaria como uma empresa 100% estatal e não há nenhuma perspectiva de que seja vendida, que a iniciativa privada administre uma parte da companhia ou que qualquer funcionário seja demitido por conta desse arranjo”, garantiu.
Campos também disse aos deputados que a contratação de estudos sobre o arranjo jurídico adequado para a operação desses serviços é um movimento já adotado por 21 estados brasileiros após o Marco Legal do Saneamento, instituído em 2020 e que prevê a universalização do acesso a água e esgoto até 2033. “E o BNDES passou a ser o grande hub no assessoramento dos estados em relação ao que a lei federal estimulou, que foram arranjos jurídicos que permitissem a participação da iniciativa privada. Eu diria que foi um movimento padronizado, porque todas as companhias estaduais fizeram esse movimento”, explicou o presidente, acrescentando que os estudos do BNDES em relação a Pernambuco seguem avançados e devem resultar na concessão de serviços da Compesa em 2025.
Desafio é universalizar serviço no estado com pior disponibilidade hídrica
Com perdas de quase 50% de tudo o que é produzido até o momento em que a água chega às casas dos consumidores, a Compesa tem o desafio de, com a concessão de parte de seus serviços, vencer barreiras quilométricas em um estado que tem a pior disponibilidade hídrica per capita do país, conforme dados do próprio governo pernambucano.
No mês passado, R$ 6,1 bilhões em investimentos foram anunciados para essa área, por meio do programa Águas de Pernambuco, que terá recursos federais, estaduais e obtidos por meio de operações de crédito. A previsão da Compesa, porém, é de que entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões sejam necessários para universalizar o acesso a água e esgoto dentro do prazo estabelecido pelo Marco Legal do Saneamento, o que mostra o tamanho do desafio.
“A gente vive um drama em Pernambuco. Pernambuco não tem água fácil. Para levar água do São Francisco para Caruaru, percorremos 300 quilômetros entre canais e adutoras. Hoje temos perdas de 50%. A água que produzimos hoje para o Recife é suficiente para atender a Região Metropolitana, mas temos muita perda, por conta de tubulações antigas. Isso passa pela necessidade de investimentos. O desafio é enorme e passa pela questão dos recursos. Queremos avançar para que possamos, quem sabe, alcançar índices desejáveis, de literatura, de 25% [de perda]”, completou o presidente da Compesa.
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