As agrotechs (startups voltadas para soluções no agronegócio) vêm crescendo num ritmo acelerado no país, impulsionadas pela manutenção das commodities como carro-chefe da economia nacional. Essa transformação digital, no entanto, se dá a passos lentos no Nordeste, que detém apenas 5,2% dessas empresas. Reverter esse quadro, na região do Vale do São Francisco (Pernambuco e Bahia), é o objetivo do Fruit Tech, rede integrada por instituições de ensino e pesquisa, Senai, Senar, Sebrae e Sudene.
De acordo com os dados mais recentes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o número de agrotechs no mercado brasileiro pulou de 184, em 2017, para 1.703 em 2022, salto exponencial de 825%. Mas, apenas 89 dessas empresas de inovação são de estados nordestinos.
A situação contrasta com a força tradicional da agropecuária na região, onde está localizada, por exemplo, boa parte da nova fronteira agrícola do país (Matopiba, que reúne terras do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o Cerrado Baiano (consolidado na produção de soja), a zona da mata de Pernambuco e Alagoas (com vocação sucroenergética) e um dos maiores polos de fruticultura do Brasil: o Vale do São Francisco, líder nas exportações brasileiras de manga e uva.
Alavancado pela irrigação, a partir dos anos 1970, o Vale se tornou um oásis no sertão. Os municípios baianos e pernambucanos que compõe a região chegam a colher 272,5 mil toneladas de manga por safra, sem falar da uva e da produção de vinhos finos.
O panorama das agrotechs é um paradoxo não apenas com este quadro, mas também levando em consideração a localização, no Nordeste, de alguns dos centros de inovação mais importantes do país, como os do Recife (PE), Fortaleza (CE), Campina Grande (PB) e, mais recentemente, Salvador (BA).
Agrotechs: oportunidade passa despercebida
Para o professor da Univasf Valdner Ramos – doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Évora (Portugal) e coordenador do Fruit Tech – os clusters de tecnologia do Nordeste se especializaram em soluções para outras áreas de negócio, enquanto o campo foi esquecido.
Ele ressalta ainda que a inovação no setor agrícola nordestino acabou ficando concentrada em grandes empresas que, na falta de players regionais dedicados ao segmento, vêm optando por importar produtos de empresas do Sudeste e Sul, onde 12 cidades concentram 50% de todas as agrotechs do Brasil.
“Estamos avaliando uma outra hipótese que é a de que esses negócios, sediados em São Paulo, Curitiba e Piracicaba, entre outras cidades, tenham se estabelecido no Nordeste, diante do baixo interesse dos empreendedores digitais nordestinos em ocupar esse espaço”, acrescenta.
Quem faz parte do esforço para alavancar agrotechs?
Esse contexto de baixa agregação de tecnologia à produção agropecuária e agroindustrial, especialmente nas empresas familiares – que são a maioria na região – levou um grupo de pesquisadores a reagir.
Formado por profissionais de instituições como Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Faculdade de Petrolina (Facape) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), foi criado o Agrolabs, no início de 2023.
O movimento evoluiu rapidamente e chegou ao final do ano com oito parceiros, entre eles o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), e já reformatado para Fruit Tech, definido pelas entidades participantes como uma “trilha tecnológica”.
Nesse começo de 2024, é a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) que chega para reforçar a rede com financiamento para aquisição de equipamentos, entre eles drones de pulverização e registro de imagens.
À frente da Sudene, o superintendente Danilo Cabral, participou, nesta segunda-feira (19), do lançamento oficial da rede.
Quais os objetivos do Fruit Tech?
A trilha tem quatro linhas de ação principais, voltadas para formação de empreendedores digitais, mentorias, incubação e aceleração de negócios. “Vamos atuar em diversas frentes, para a construção de uma cultura inovadora no Vale, com foco nas empresas familiares”, explica Valdner Ramos.
As metas do programas, para os próximos dois anos, são ambiciosas: formar 210 profissionais de nível superior e médio, promover dois hackatons, realizar oito programas de mentoria, apoiar 60 ideias inovadoras, incubar 40 negócios e acelerar 20 startups.
“Com esses resultados, esperamos não apenas uma aceleração no desenvolvimento de tecnologias e negócios, mas também criar uma conexão do Vale com outros hubs e ecossistemas de inovação do país, para que o processo se consolide e se retroalimente”, ressalta o coordenador.
Segundo ele, um dos target para busca de sinergias é o Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que integra o ranking de melhores centros de ensino e pesquisa em computação do país.