Refinaria de Mataripe: o que vai acontecer com a volta da Petrobras no 2º semestre?

Economistas destacam aspectos da volta da Petrobras à operação da Refinaria de Mataripe (BA) como o retorno do monopólio do refino, contrariando decisão do Cade, e a falta de clareza sobre como vai se dar a associação entre a petroleira e a Mubadala Capital
Refinaria de Mataripe: Jean Paul Prates anunciou, no X, retomada das operações pela Petrobras
Refinaria de Mataripe voltará a ser operada pela Petrobras no 2º semestre, se acordo for concluído até junho, como espera o presidente Jean Paul Prates/Foto: Agência Petrobras

A Refinaria de Mataripe (antiga Rlam), privatizada numa operação sob investigação administrativa da Petrobras, voltará a ser operada pela companhia brasileira no 2º semestre deste ano. Ainda não está claro como essa mudança vai acontecer, já que o acordo entre Petrobras e Mubadala – proprietária da planta – ainda está em fase de negociação. Enquanto isso, especialistas destacam aspectos dessa reviravolta como a volta do monopólio no refino, insegurança jurídica e o futuro da refinaria de biodiesel do fundo árabe.

Refinaria de Mataripe: Adriano Pires considera reestatização um retrocesso
Refinaria de Mataripe: Adriano Pires destaca insegurança jurídica e volta do monopólio da Petrobras/Foto: CBIE (Divulgação)

“Esse anúncio representa praticamente uma volta do monopólio do refino no Brasil. É uma quebra no acordo assinado entre Petrobras e Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] que falava que a Petrobras iria vender 50% da capacidade de refino da empresa, ficando somente com as refinarias do Rio de Janeiro e de São Paulo”, analisa Adriano Pires, doutor em economia industrial pela Universidade de Paris XIII e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

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Adriano Pires critica a decisão da Petrobras de retomar a unidade. “Esse tipo de acordo [Petrobras e Mubadala], por mais jurídico perfeito que esteja sendo feito, por mais que o acordo entre as partes tenha sido celebrado com transparência, é um retrocesso porque cria uma insegurança jurídica, uma instabilidade regulatória, de voltar para trás numa decisão tomada pelo Cade”, acrescenta.

O economista ressalta ainda que a decisão do conselho tinha o objetivo de reduzir uma das distorções geradas pela concentração do mercado de óleo e gás na Petrobras: o monopólio do refino.

“Como é que fica o Cade? Agora vai concordar que monopólio de refino é bom no Brasil?”, questiona.

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Não tem sentido a Petrobras ter 80%, 90% do refino no Brasil, uma atividade que pode ser exercida pelo privado tranquilamente. É algo ruim para o mercado de combustíveis, para o consumidor”, reforça.

Sobre a parceria da Petrobras com o fundo Mubadala Capital na área de biocombustíveis, Adriano Pires considera que o setor privado não precisa da companhia para os negócios nesse setor e a presença da petroleira no segmento contribui para reforçar a concentração do mercado brasileiro de petróleo.

“Nesse acordo com a Mubadala, está se falando em desenvolver um produto, uma planta na Bahia [refinaria de biodiesel], para fazer um diesel verde. É muito bom, mas não precisa da Petrobras para fazer isso. O privado pode tranquilamente produzir os biocombustíveis, as refinarias privadas também poderiam”, analisa. “Não vejo necessidade da Petrobras estar metida numa atividade que pode ser exercida pelo privado”, aponta.

Refinaria de Mataripe: ex-secretário de Planejamento da Bahia vê falta de clareza sobre o novo modelo
Ex-secretário de Planejamento da Bahia, Armando Avena questiona qual será o novo modelo de arranjo societário na Refinaria de Mataripe/Foto: Armando Avena (Acervo pessoal)

Qual o novo modelo da Refinaria de Mataripe?

Economista com mestrado em Planejamento Global e Política Econômica e doutorado em Ciências Sociais, o ex-secretário de Planejamento da Bahia (2003/2006), Armando Avena pontua a falta de clareza, até o momento, sobre as bases contratuais e como as operações da Refinaria de Mataripe serão retomadas pela Petrobras.

“Não está definido ainda qual vai ser o modelo. Vai ser uma reestatização ou vai ser uma participação acionária da Petrobras? Também não está definido como o grupo Mubadala entra nessa negociação”, avalia.

“É preciso ver, em primeiro lugar, os termos do contrato, porque não se trata simplesmente de uma intervenção, uma briga, uma privatização. É uma negociação conjunta e não se sabe como vai ser essa volta da Petrobras, como principal acionista ou em outro arranjo societário”, frisa.

Qual o futuro da biorefinaria de R$ 12 bilhões?

Outro ponto nebuloso da conversa entre a Petrobra e a Mubadala Capital é qual o futuro da biorefinaria da Acelen, divisão do Mubadala Capital.

Em abril do ano passado, a Acelen assinou um memorando de entendimento com o Governo da Bahia para a construção de um novo negócio no estado: uma biorrefinaria com capacidade para 20 mil barris/dia (1 bilhão de litros por ano). A planta será voltada para diesel renovável e combustível sustentável de aviação (SAF), a partir de óleo de soja, macaúba e dendê.

Segundo o cronograma divulgado, as obras da unidade começariam já no início de 2024, com entrada em operação da primeira fase da refinaria em 2026.

O presidente Jean Paul Prates destaca, no mesmo post no X em que informou o avanço das articulações com o fundo, que a associação contempla uma parceria neste setor. “A Petrobras já anunciou que vai participar do investimento, mas ainda não está claro como isso vai se dar”, afirma o ex-secretário de Planejamento.

“Ao que parece, um dos parceiros vai se dedicar mais à Refinaria de Mataripe, enquanto o outro vai estar centrado na implantação da planta de biodiesel. Isso só vai ser esclarecido, de fato, quando o contrato for anunciado”, ressalta.

Entenda a volta da Petrobras à refinaria

O retorno da Petrobras às operações da Refinaria de Mataripe foi anunciado pelo presidente Jean Paul Prates, em sua conta no X, nesta terça-feira (13), durante viagem ao Oriente Médio. Segundo o presidente, a negociação vem acontecendo há meses, será intensificada no pós-Carnaval e a nova configuração societária e operacional da refinaria deverá estar definida até o final do primeiro semestre.

Mantido esse calendário, a petroleira retomaria a gestão da planta já no segundo semestre. O presidente, no entanto, não deu informações sobre as bases dessa associação. “Demais detalhes e andamentos atuais serão mantidos sob confidencialidade até a finalização do processo”, disse na postagem. Procurada, a Petrobras respondeu no mesmo tom.

Discussão sobre o valor de venda da Refinaria de Mataripe evoluiu da Câmara, para o TCU e CGU, responsável por relatório que deu origem a investigação administrativa da Petrobras
Discussão sobre o valor de venda da Refinaria de Mataripe evoluiu da Câmara dos Deputados, para o TCU e CGU, que finalizou auditoria em janeiro passado/Foto (Agência Petrobras)

Por que venda de Mataripe está sob investigação?

Localizada no município de São Francisco do Conde (Recôncavo Baiano), a Rlam foi privatizada no final de 2021 e rebatizada como Refinaria de Mataripe. A operação, sob o Governo Bolsonaro, se deu no âmbito de uma determinação do Cade para quebra do monopólio da companhia na área de refino e foi assinado um acordo neste sentido.

A refinaria foi vendida por US$ 1,6 bilhão à Acelen, braço no setor de energia do fundo Mubadala Capital, que integra a Mubadala Investment Company (Emirados Árabes Unidos). A companhia pertencente à família real de Abu Dhabi, a mesma que presenteou o ex-presidente Bolsonaro e a então primeira dama Michelle com estojos de joias.

O valor da operação vem sendo questionado desde o fechamento do negócio. No mesmo ano da transação, o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) estimou um valor de US$ 3 bilhões para a venda, enquanto a XP precificou a planta em US$ 3,5 bilhões e o BTG Pactual avaliou a refinaria em US$ 2,5 bilhões.

Ao longo dos últimos anos, essa polêmica evoluiu da Câmara dos Deputados, que realizou até audiência pública sobre o tema, para o Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria Geral da União, responsável por um relatório enviado, no Governo Lula, a Jean Paul Prates, apontando subfaturamento na refinaria.

O resultado da auditoria da CGU se tornou público em janeiro passado. Na sequência, a Petrobras abriu uma investigação administrativa sobre o caso.

Petrobras tem nova ofensiva no refino

A volta da Petrobras à antiga Rlam é mais um capítulo da retomada de investimentos da companhia no refino, sob o Governo Lula 3. Com o fim do Governo Bolsonaro, a Petrobras comunicou, em 2023, que iria concluir as obras da Refinaria Abreu e Lima e desfazer as privatizações da gestão anterior.

Em novembro do ano passado, a petroleira cancelou a venda da Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor), localizada no Porto de Mucuripe, em Fortaleza (CE). A planta tinha sido comprada em maio de 2022 pela Grepar Participações, num contrato de US$ 34 milhões.

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