A Refinaria de Mataripe (antiga Rlam), privatizada numa operação sob investigação administrativa da Petrobras, voltará a ser operada pela companhia brasileira no 2º semestre deste ano. Ainda não está claro como essa mudança vai acontecer, já que o acordo entre Petrobras e Mubadala – proprietária da planta – ainda está em fase de negociação. Enquanto isso, especialistas destacam aspectos dessa reviravolta como a volta do monopólio no refino, insegurança jurídica e o futuro da refinaria de biodiesel do fundo árabe.
“Esse anúncio representa praticamente uma volta do monopólio do refino no Brasil. É uma quebra no acordo assinado entre Petrobras e Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] que falava que a Petrobras iria vender 50% da capacidade de refino da empresa, ficando somente com as refinarias do Rio de Janeiro e de São Paulo”, analisa Adriano Pires, doutor em economia industrial pela Universidade de Paris XIII e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Adriano Pires critica a decisão da Petrobras de retomar a unidade. “Esse tipo de acordo [Petrobras e Mubadala], por mais jurídico perfeito que esteja sendo feito, por mais que o acordo entre as partes tenha sido celebrado com transparência, é um retrocesso porque cria uma insegurança jurídica, uma instabilidade regulatória, de voltar para trás numa decisão tomada pelo Cade”, acrescenta.
O economista ressalta ainda que a decisão do conselho tinha o objetivo de reduzir uma das distorções geradas pela concentração do mercado de óleo e gás na Petrobras: o monopólio do refino.
“Como é que fica o Cade? Agora vai concordar que monopólio de refino é bom no Brasil?”, questiona.
“Não tem sentido a Petrobras ter 80%, 90% do refino no Brasil, uma atividade que pode ser exercida pelo privado tranquilamente. É algo ruim para o mercado de combustíveis, para o consumidor”, reforça.
Sobre a parceria da Petrobras com o fundo Mubadala Capital na área de biocombustíveis, Adriano Pires considera que o setor privado não precisa da companhia para os negócios nesse setor e a presença da petroleira no segmento contribui para reforçar a concentração do mercado brasileiro de petróleo.
“Nesse acordo com a Mubadala, está se falando em desenvolver um produto, uma planta na Bahia [refinaria de biodiesel], para fazer um diesel verde. É muito bom, mas não precisa da Petrobras para fazer isso. O privado pode tranquilamente produzir os biocombustíveis, as refinarias privadas também poderiam”, analisa. “Não vejo necessidade da Petrobras estar metida numa atividade que pode ser exercida pelo privado”, aponta.
Qual o novo modelo da Refinaria de Mataripe?
Economista com mestrado em Planejamento Global e Política Econômica e doutorado em Ciências Sociais, o ex-secretário de Planejamento da Bahia (2003/2006), Armando Avena pontua a falta de clareza, até o momento, sobre as bases contratuais e como as operações da Refinaria de Mataripe serão retomadas pela Petrobras.
“Não está definido ainda qual vai ser o modelo. Vai ser uma reestatização ou vai ser uma participação acionária da Petrobras? Também não está definido como o grupo Mubadala entra nessa negociação”, avalia.
“É preciso ver, em primeiro lugar, os termos do contrato, porque não se trata simplesmente de uma intervenção, uma briga, uma privatização. É uma negociação conjunta e não se sabe como vai ser essa volta da Petrobras, como principal acionista ou em outro arranjo societário”, frisa.
Qual o futuro da biorefinaria de R$ 12 bilhões?
Outro ponto nebuloso da conversa entre a Petrobra e a Mubadala Capital é qual o futuro da biorefinaria da Acelen, divisão do Mubadala Capital.
Em abril do ano passado, a Acelen assinou um memorando de entendimento com o Governo da Bahia para a construção de um novo negócio no estado: uma biorrefinaria com capacidade para 20 mil barris/dia (1 bilhão de litros por ano). A planta será voltada para diesel renovável e combustível sustentável de aviação (SAF), a partir de óleo de soja, macaúba e dendê.
Segundo o cronograma divulgado, as obras da unidade começariam já no início de 2024, com entrada em operação da primeira fase da refinaria em 2026.
O presidente Jean Paul Prates destaca, no mesmo post no X em que informou o avanço das articulações com o fundo, que a associação contempla uma parceria neste setor. “A Petrobras já anunciou que vai participar do investimento, mas ainda não está claro como isso vai se dar”, afirma o ex-secretário de Planejamento.
“Ao que parece, um dos parceiros vai se dedicar mais à Refinaria de Mataripe, enquanto o outro vai estar centrado na implantação da planta de biodiesel. Isso só vai ser esclarecido, de fato, quando o contrato for anunciado”, ressalta.
Entenda a volta da Petrobras à refinaria
O retorno da Petrobras às operações da Refinaria de Mataripe foi anunciado pelo presidente Jean Paul Prates, em sua conta no X, nesta terça-feira (13), durante viagem ao Oriente Médio. Segundo o presidente, a negociação vem acontecendo há meses, será intensificada no pós-Carnaval e a nova configuração societária e operacional da refinaria deverá estar definida até o final do primeiro semestre.
Mantido esse calendário, a petroleira retomaria a gestão da planta já no segundo semestre. O presidente, no entanto, não deu informações sobre as bases dessa associação. “Demais detalhes e andamentos atuais serão mantidos sob confidencialidade até a finalização do processo”, disse na postagem. Procurada, a Petrobras respondeu no mesmo tom.
Por que venda de Mataripe está sob investigação?
Localizada no município de São Francisco do Conde (Recôncavo Baiano), a Rlam foi privatizada no final de 2021 e rebatizada como Refinaria de Mataripe. A operação, sob o Governo Bolsonaro, se deu no âmbito de uma determinação do Cade para quebra do monopólio da companhia na área de refino e foi assinado um acordo neste sentido.
A refinaria foi vendida por US$ 1,6 bilhão à Acelen, braço no setor de energia do fundo Mubadala Capital, que integra a Mubadala Investment Company (Emirados Árabes Unidos). A companhia pertencente à família real de Abu Dhabi, a mesma que presenteou o ex-presidente Bolsonaro e a então primeira dama Michelle com estojos de joias.
O valor da operação vem sendo questionado desde o fechamento do negócio. No mesmo ano da transação, o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) estimou um valor de US$ 3 bilhões para a venda, enquanto a XP precificou a planta em US$ 3,5 bilhões e o BTG Pactual avaliou a refinaria em US$ 2,5 bilhões.
Ao longo dos últimos anos, essa polêmica evoluiu da Câmara dos Deputados, que realizou até audiência pública sobre o tema, para o Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria Geral da União, responsável por um relatório enviado, no Governo Lula, a Jean Paul Prates, apontando subfaturamento na refinaria.
O resultado da auditoria da CGU se tornou público em janeiro passado. Na sequência, a Petrobras abriu uma investigação administrativa sobre o caso.
Petrobras tem nova ofensiva no refino
A volta da Petrobras à antiga Rlam é mais um capítulo da retomada de investimentos da companhia no refino, sob o Governo Lula 3. Com o fim do Governo Bolsonaro, a Petrobras comunicou, em 2023, que iria concluir as obras da Refinaria Abreu e Lima e desfazer as privatizações da gestão anterior.
Em novembro do ano passado, a petroleira cancelou a venda da Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor), localizada no Porto de Mucuripe, em Fortaleza (CE). A planta tinha sido comprada em maio de 2022 pela Grepar Participações, num contrato de US$ 34 milhões.
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