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“O NE não precisa, necessariamente, de redução de impostos”

Guilherme Ferreira Costa, diretor presidente de um dos maiores home center do Brasil, fala com exclusividade ao Movimento Econômico sobre negócios, desafios e do impacto da reforma tributária sobre o NE
Guilherme Ferreira Costa
Guilherme Ferreira Costa comenta desafios do NE/Foto: ME

O Home Center Ferreira Costa se prepara para transpor a região Nordeste. A empresa familiar, que completou 140 anos em agosto, vai dar um importante passo para sua expansão nacional: abrirá uma unidade em Brasília. Guilherme Ferreira Costa, diretor-presidente, anuncia este e outros investimentos que vão gerar alguns milhares de empregos para os próximos dois anos não só no Distrito Federal, mas na Bahia, em Fortaleza e em Pernambuco. Os valores dos aportes ele não revela, nem detalhes, mas contabiliza que cada loja vai empregar pelo menos 700 pessoas.

A história da Ferreira Costa começa em 1884, com o português João Ferreira da Costa, em Garanhuns-PE, inicialmente vendendo ferragens e utensílios domésticos. Em 1920, ele passou a importar ferragens e implementos agrícolas para atender a uma Garanhuns consolidada como centro de abastecimento regional. Logo, o portfólio passou a incluir materiais de construção, pneus e equipamentos para o setor elétrico.

Do armazém de secos e molhados, o negócio criado pelo bisavô de Guilherme evoluiu para um grupo familiar com indústrias de ladrilho, de brita, de pré-moldados e de granito, além de atividades na agropecuária. Tempos depois, tudo foi vendido para que a família pudesse se concentrar no que considerava mais importante: o varejo. Uma estratégia que levou a empresa ao Top 3 dos home centers no Brasil e expandiu o e-commerce à 4º posição no país em número de visitas. Nesta entrevista exclusiva ao Movimento Econômico, o discreto empresário Guilherme Ferreira Costa revela momentos interessantes da jornada desta empresa e fala sobre reforma tributária, abertura de capital e preocupações com o cenário nacional. Confira.

MOVIMENTO ECONÔMICO: O senhor e seu irmão André são quarta geração no comando da Ferreira Costa. Qual momento considera mais desafiador nesta trajetória de 140 anos?

GUILHERME FERREIRA COSTA: Houve muitos. O começo, com meu bisavô levando mercadorias no lombo do burro para Garanhuns ou quando meu pai teve que assumir o negócio com apenas 15 anos, após a morte de meu avô. Esse foi um grande problema na vida dele. Na minha geração foram os planos econômicos, em especial o Plano Cruzado. Aquilo foi um horror, com tabelamento de preços e inflação a 80% ao ano. Foi um período dificílimo para nós, para o Brasil, e perdemos quase tudo, ficamos quase na lona.

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ME: Como assim, ficaram quase na lona?

GFC: Era uma coisa absurda. Havia um tabelamento de preços que éramos obrigados a seguir. Mas os fornecedores não tinham preços tabelados e reajustavam como queriam. Chegou a um ponto que não conseguimos comprar produtos e repor estoques. Nosso depósito ficou vazio. Se reajustássemos os preços para acompanhar os fornecedores, poderíamos ser presos, porque a Sunab (Superintendência Nacional do Abastecimento) prendia os gerentes e donos de lojas que não cumpriam com o tabelamento. Só tínhamos uma loja, que ficou aberta, mas fechamos o depósito. Além disso, éramos obrigados a enviar as notas fiscais para a Sunab toda semana.

ME: Como foi lidar com a burocracia que isso gerou?

GFC: Uma loucura. Milhares de notas tinham que ser entregues toda semana à Sunab. Eu fazia viagens semanais de Garanhuns ao Recife com pacotes de notas. Depois de um tempo, eles mesmos diziam para a gente segurar um pouco. Ninguém dava conta de conferir aquelas notas que vinham de todos os lados.

ME: O que foi pior, o Plano Cruzado ou pandemia da covid-19?

GFC: A pandemia foi algo muito grave, mas não foi pior do que o Plano Cruzado, sob o ponto de vista do negócio, apesar de termos ficado com a loja fechada três meses. Como o e-commerce já funcionava há um ano, fechamos a loja, mas ficamos trabalhando para atender às vendas no digital. Não demitimos ninguém, nenhum dos 6 mil funcionários. Demos férias, colocamos eles no plano emergencial do governo federal e complementamos os salários de todos. Muitos ficaram em casa, mas outros tiveram que trabalhar. Não dava para parar a contabilidade, o financeiro. Não paramos aqui nenhum dia. Embora a loja estivesse fechada, ainda era possível comprar.

ME: A Ferreira Costa entrou no e-commerce em 2019, e vemos que isso foi muito importante para enfrentar a pandemia. Mas quando a digitalização passou a fazer parte do negócio?

GFC: Em 1985, nossos produtos já tinham código de barra, algo que ninguém usava por aqui. Isso era bem evoluído para a época. Nossos primeiros computadores foram da IBM, para o crediário. O sistema usava cartões de papel, que eram perfurados manualmente a cada compra dos clientes, que eram identificados por um número. Era um sistema binário que dependia muito do manual. Era uma contradição, tínhamos computadores, mas também muitos funcionários para perfurar esses cartões (risos…). Depois, tivemos uns computadores enormes, mas com apenas 80 megabyte de capacidade, o que não era nada. Mas sempre estávamos nos atualizando. Meu pai gostava de viajar para conhecer as novidades em outros países e buscava trazer inovações para o negócio. Fomos uns dos primeiros a usar escadas rolantes. Foi numa dessas viagens que ele viu o conceito de home center nos Estados Unidos. Na época nem se usava essa denominação.

ME: Já cogitaram fazer um IPO (abertura de capital)?

GFC: Não. Quer dizer, o IPO é algo que está no radar, mas sem pretensões no curto prazo. Não deixa de ser uma opção de financiamento. Mas, no Brasil, as mudanças de regras são muito grandes e frequentes e até inconsequentes, e isso deixa a empresa vulnerável. Preferimos até prejudicar o crescimento do que nos arriscar num IPO neste ambiente de insegurança jurídica. Quando precisamos de financiamento, recorremos ao Banco do Nordeste, que é um parceiro extraordinário.

ME: Por que optaram por Brasília como primeira cidade fora do Nordeste? A algo relacionado à concorrência?

GFC: Não. Com nosso padrão de loja nos damos bem em qualquer lugar. Brasília foi escolhida por ter a renda per capita mais alta do Brasil. É duas vezes a de São Paulo.

Ferreira Costa
Treinamento é um dos pilares da empresas/Foto: divulgação

ME: O que lhe diferencia da concorrência?

GFC: Entendemos que nosso diferencial é a qualidade do atendimento. Esse é um dos nossos pilares.  O que o cliente quer em primeiro lugar é ser bem recebido, o atendimento é fundamental e nós treinamos muito as pessoas, muito mesmo. Nosso RH é muito participativo. Não capacitamos só nossos colaboradores, mas profissionais do mercado, pedreiros, pintores, de forma que eles conheçam novos produtos, possam oferecer aos clientes e prestar bom serviço. Queremos que o cliente saia daqui encantado. Ou seja, saia mais do que satisfeito. Por isso, ter produtos para entregar também é muito importante. O cliente tem que sair daqui com o que ele procura. Porque o tempo é algo muito importante hoje em dia e as pessoas não querem perder tempo. Aqui elas têm que resolver tudo, sem precisar garimpar.

ME: Como recebeu a reforma tributária?

GFC: A reforma tributária tem que ser feita, mas começou com uma alíquota para o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) de 23% e agora beira os 28%. É praticamente a maior do mundo. Mas, por outro lado, traz a vantagem da simplificação. É muito complicado vender em vários estados com o sistema atual. A simplificação vai ajudar, mas a carga será alta e teremos ainda um período de transição no qual a burocracia será um caos. Mas a reforma precisa ser feita. A Índia fez isso há uns seis anos e mudou sua estrutura. Hoje é um dos países que mais crescem no mundo, apesar das dificuldades que tem com as divisões social, religiosa e comunicação, por causa dos dialetos.

Agora, lá na frente vamos brigar para reduzir a carga. Cabe à sociedade economia e civil organizada pressionar adiante nossos parlamentares para que haja um custo compatível para o que o governo entrega à sociedade

ME: Não acha que a reforma será ruim para os estados mais pobres, como os do Nordeste?

GFC: Sem dúvida os benefícios serão reduzidos, mas, em contrapartida, deixará o processo igualitário. Como irá se resolver a questão dos incentivos? Mudando a forma de financiar o Nordeste, com taxas diferenciadas. O governo precisará olhar para isso. O Nordeste não precisa, necessariamente, de redução de impostos.

Ferreira Costa
Nova loja da Ferreira Costa em Salvador/Foto: divulgação

ME: O senhor tem demonstrado preocupação com a questão da infraestrutura e recentemente, enquanto presidiu o movimento Atitude Pernambuco, até estimulou estudos sobre obras viárias e também um evento para discutir o assunto. Há poucos dias, o governo federal lançou debêntures para financiar a infraestrutura. O que achou dessa medida?

GFC: É mais endividamento para o país. Veja, por um lado, é bom, ajuda a captar dinheiro, mas o governo tem muito dinheiro. A arrecadação federal é muito grande. O que precisa é controlar os gastos, gastar no lugar certo. Nós estamos precisando de uma nova orientação na forma de gastar e isso depende de nossos deputados, senadores, dos governadores, dos prefeitos, ou seja, dos poderes legislativo, executivo e judiciário.

ME: O Nordeste é carente de boa infraestrutura, de boas condições de estrada e ferrovias. Diante disto, muitos entendem que a reforma tributária pode promover uma concorrência desigual entre as regiões brasileiras. O senhor enxerga risco de desindustrialização no Nordeste?

GFC: Melhorias na infraestrutura são necessárias em todo Brasil. E já estamos num processo de desindustrialização. Estamos perdendo nossas indústrias e isso vem ocorrendo há anos. A composição da indústria no PIB já foi mais de 25% e hoje não chega a 11%. E isso ocorre porque é mais barato comprar de fora do que aqui. É caro produzir no Brasil. Estamos deixando de empregar no Brasil para gerar emprego na Ásia. A maioria das importações acontecem porque sai mais barato comprar fora. O imposto das blusinhas está contribuindo para eliminar vagas de trabalho no Brasil. As empresas de confecção estão passando por dificuldades no Brasil. Em todas elas, tanto nas grandes como nas pequenas, as vendas estão caindo. O consumidor quer comprar barato, mas a indústria nacional não consegue vender barato. E nem o governo, nem os consumidores, estão percebendo o que essas importações estão causando.

ME: O que mais lhe preocupa na economia?

GFC: O controle de gastos. A economia não está bem porque o governo ainda gasta mais do que tem. Está exagerando nos gastos. E não é só o governo, os vários poderes também. É preciso que haja limites para os gastos. O endividamento público gera inflação e, por isso, estamos na expectativa de a Selic subir novamente. Após a reforma tributária temos que fazer a reforma administrativa para reduzir o custo do país. É preciso que sobre dinheiro para investimentos em infraestrutura, para melhorar as condições de saúde e educação. O metrô do Recife vai parar aos domingos. Isso é uma tristeza.

ME: e nos negócios?

GFC: Nos preocupa a manutenção do nosso negócio e (dos negócios) do Brasil como um todo. Porque não podemos ser uma estrela somente. O país tem que continuar crescendo e se desenvolvendo, porque senão as pessoas vão embora daqui. A gente tem visto recentemente muito êxodo e isso nos preocupa. As pessoas precisam ir melhorando sua qualidade de vida. Isso é importante. E como se consegue isso? Com boa educação. Tem que haver boa educação e uma maior preocupação de saúde (pública).

ME: O senhor ainda trabalha muito?

GFC: Trabalhos todos os dias. Todos os dias mesmos (risos). Nos sábados e domingos, gosto de andar pelas lojas conversando com vendedores e clientes. Vou continuar assim.

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