As micro e pequenas geram 80% do emprego e só acessam 12% do crédito

Nesta primeira matéria da série Os empreendedores, a reportagem traz histórias de micro e pequenas que cresceram sem esperar pelo crédito tradicional
A fábrica de Vera Peixoto emprega, formalmente, 10 pessoas que fazem bolo de rolo e derivados. Foto: AGE/Divulgação

Vera Peixoto, Pedro Amorim e Manu Nogueira fazem parte de um grupo considerado o grande motor da economia brasileira: as micro e pequenas empresas que respondem por mais de 90% dos negócios do País, geram 80% dos postos de trabalho formais, mas só captam 12% do crédito disponibilizado no País, segundo informações do Sebrae. Eles começaram dentro das residências, com a ajuda de algum familiar e foram crescendo, sem depender do crédito tradicional dos bancos.

“A gente foi crescendo com o dinheiro das vendas. Quando vendia mais, comprava uma mesa. Dividi o pagamento da batedeira em várias parcelas. Não tinha dinheiro para capital de giro”, lembra a empresária Vera Peixoto, que começou na informalidade com uma lanchonete, depois passou a ser Micro Empreendedor Individual (MEI) e hoje é uma micro empresa. O estabelecimento dela emprega 10 trabalhadores, todos com carteira assinada. 

Vera possui uma fábrica de bolo de rolo e derivados, que incluem broa feito com as sobras da iguaria pernambucana, tartelete, torradinhas de mini bolo de rolo, entre outras variações. “Em média, a gente fabrica 8 mil unidades de bolo de rolo por mês. E é tudo feito à mão”, conta a empresária. 

O que alavancou a empresa Vera Peixoto foram as vendas realizadas para mercados, padarias e Ceasa. “Na propaganda, tudo é lindo. Na prática, é muito difícil conseguir crédito. Precisa ter CNPJ antigo, ter uma certa movimentação no CNPJ. É um conjunto de exigência que dificulta”, comenta Vera. Resultado: quando um banco privado aprovou o primeiro crédito para a empresa dela, Vera fez as contas e desistiu. “Os juros são muito altos. Não valia a pena para ter capital de giro”, conta. 

Depois desta experiência, ela foi ao Sebrae, que indicou a Agência de Empreendedorismo de Pernambuco (AGE). Lá, realizou a sua primeira operação de crédito em 2023. “Comprei insumos e deixei um pouco para capital de giro”, conta Vera. Ela afirma que montar uma empresa “mudou tudo pra melhor” na vida.

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“Foi a necessidade que deu certo”, revela Vera, que passou nove anos na informalidade com uma lanchonete nas proximidades da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), na Zona Oeste do Recife. Até que em março de 2020, chegou a pandemia do Coronavírus. Diabética e hipertensa, ela passou seis meses sem ir pra rua trabalhar com medo de se contagiar.

Após seis sem trabalhar, ela decidiu construir “umas paredes” na casa alugada pela sua tia para começar a fábrica do bolo de rolo. Com a decisão, se formalizou, passou a atuar como MEI em 2020. Três anos, depois se transformou em microempresa e foi aumentando a quantidade de funcionários, gradualmente. “O espaço atualmente está pequeno. A gente já pensa em procurar outro lugar para ampliar a fábrica”, diz. Ter uma microempresa, também trouxe outro lado mais oneroso: “a gente paga muito imposto”.

Manu Nogueira fala sobre a trajetória da Clubitshirt, que obteve o seu primeiro crédito depois de oito anos no mercado. Foto: Divulgação

A história de Vera e a de Manu Nogueira têm muito em comum. As vendas também foram a alavanca que puxou a empresa de Manu, a Clubitshirt, idealizada por ela. O estabelecimento fabrica peças de roupa – como camisetas e vestidos – com “estampas atemporais” como diz a empresária. “Minha mãe já tinha a estrutura para fazer as camisetas. Fiz uma sociedade com ela e começamos a vender as camisas pela internet”, lembra ela.

Manu criou o nome da empresa, abriu uma conta no Instagram e começou a postar as camisetas fabricadas. Daí em diante, começaram as vendas. Além de Manu e a mãe – que costurava as peças e também era sócia – mais quatro pessoas trabalhavam no estabelecimento. Atualmente, são 17 funcionários com carteira assinada e a empresa é de pequeno porte. Deste total, oito pessoas trabalham na fábrica e nove nos três quiosques onde as peças são comercializadas nos shoppings RioMar, Recife e Plaza. Cada quiosque emprega três pessoas.

O primeiro crédito que a empresa pegou foi há um mês numa instituição de fomento do Nordeste. Ou seja, cresceu oito anos sem ter acesso aos créditos oficiais. “A gente fazia as peças sob encomendas e tinha medo de fazer estoque. Na época, eu eu minha mãe – que também era minha sócia trabalhávamos em regime de CLT. Então, decidimos não tirar dinheiro da empresa e reinvestir “, lembra Manu. Outro fator que ajudou a aumentar as vendas foram a participação em eventos, como bazar e feiras.

“Com o tempo, a gente percebeu que gastava de R$ 3 mil a R$ 5 mil para participar das feiras. Aí decidi colocar as roupas pra vender num shopping. A primeira experiência foi um quiosque temporário no RioMar para passar novembro e dezembro. No dia 24 de dezembro, não tinha mais uma peça. A gente colocou a vendedora pra dar chocolates para as clientes que apareceram”, recorda Manu.

Como ainda faltava uma semana pra encerrar o período do quiosque temporário, ela passou o restante do dia 24 e 25 fabricando mais peças para ter produtos nas prateleiras no dia 26. Em abril de 2019, a empresa voltou a ter um quiosque fixo no shopping e, depois, abriu mais dois quiosques em centros de compras.

Com o crédito aprovado há um mês, a empresa vai comprar novo maquinário. Também estão nos planos estudar a possibilidade de fazer franquias da marca.

O diretor da Amorito, Pedro Amorim, fala que teve que pegar empréstimos com juros altos para poder crescer. Foto: Divulgação

A empresa Amorito também é pequena, mas está na transição e pretende atuar como uma média empresa. O estabelecimento foi fundado em 1980 pelo casal Laete Amorim e Josefa Maria que passaram a fabricar sorvete – dentro da sua residência em Camaragibe – e vender para a vizinhança. Inicialmente, a empresa se chamava Glacê Sorvetes.

A fábrica de sorvete da Amorito emprega 80 pessoas atualmente. Além dos funcionários, o estabelecimento conta com dois mil revendedores em cidades espalhadas por Pernambuco e Paraíba. A empresa conta também com duas lojas próprias, uma em Camaragibe, e outra em San Martin. “Entrei na empresa em 2010 com a missão de levar a nossa marca para a mesa da maioria dos pernambucanos. O meu pai trabalha no mercado há mais de 40 anos e preparou toda a nossa base. Passou por muitas dificuldade no período da inflação, mudança da moeda para o Plano Real e várias recessões”, comenta o diretor da Amorito, Pedro Amorim.

Aos 38 anos, Pedro resume o passo a passo que levou a empresa a crescer: “Passei a fazer o básico que todo empreendedor faz. Reinvesti todo o lucro nos primeiros anos da empresa tirando apenas o pró-labore, tomei crédito de bancos privados com juros altos para compra de máquinas e equipamentos, passei a participar de feiras do setor em busca de novas tecnologias e fiz vários cursos no Sebrae, Senai e duas pós graduações. Tudo isso sempre pensando no negócio”.

A consultora do Sebrae-PE, Priscila Lapa, fala da necessidade de ter uma política pública voltada para os pequenos negócios. Foto: Sebrae/Divulgação

As micro e pequenas empresas representam entre 92% e 95% dos estabelecimentos do Brasil, segundo informações do Sebrae. Pela legislação brasileira, as empresas são classificadas pelo seu faturamento. Os MEIs podem faturar até R$ 81 mil por ano, as micros terem uma receita anual de até R$ 360 mil e as pequenas um apurado que não ultrapasse os R$ 4,8 milhões (também anuais).

“Historicamente, não temos um ciclo de política pública voltada para os pequenos negócios. E isso começa na visão tributária. Não há um modelo simplificado. O Simples unifica todos os tributos, mas estabelece obrigações acessórias. Como por exemplo, se a empresa vender fora do Estado, tem que recolher o imposto de fronteira. E, para isso, necessita ter um contador”, comenta a gerente da Unidade de Políticas Públicas do Sebrae-PE, Priscila Lapa. Nesse caso, o contador representa mais despesas para o pequeno.

Com relação ao recolhimento de tributos, Priscila também explica que a escada do MEI para a micro ou pequena empresa é muito brusca. Por mês, o MEI recolhe R$ 75,60 quitando todos os tributos e contribuições. Se passar de uma receita de R$ 81 mil, passa a recolher um percentual sobre o faturamento, que pode chegar até a 6%. Ou seja, o valor a ser pago aumenta e muito.

“O MEI também é isento de alvará, mas tem prefeitura que cobra”, diz Priscila, argumentando que há uma sobreposição de regras federais, estaduais e municipais também para os pequenos negócios – incluindo os MEIs – que deixam o ambiente de negócio confuso.

Em 2023, as micro e pequenas empresas só conseguiram acessar 12% do crédito disponibilizado no País, segundo o Sebrae. Segundo Priscila, as garantias reais pedidas pelas instituições financeiras não diferenciam o pequeno negócio do grande. “É difícil crescer sem crédito. Tem que ter uma política pública que traga um melhor ambiente de negócio para os pequenos”, afirma.

Ela diz também que algumas fintechs e bancos digitais mais simples já entenderam que financiar o capital de giro do micro e pequeno pode ser atrativo e estão fazendo isso de uma maneira mais simples.

É o que já está ocorrendo com a fintech Justa, instalada no Bairro do Recife. “O nosso foco são as Pequenas e Médias Empresas (PMEs), que são clientes parecidos com as pessoas físicas, mas têm desejos diferentes. E por ser pessoa jurídica, geralmente, paga caro”, resume o CEO da Justa, Eduardo Vils.

A Justa se especializou em oferecer soluções financeiras para as pequenas e médias empresas e a demanda deste público está alavancando o crescimento da instituição que deve faturar mais de R$ 50 milhões este ano.

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