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Seca impõe gestão hídrica a destinos turístico do NE, ameaçando a economia

O litoral nordestino enfrenta o desafio de conciliar a alta temporada no turismo com o desabastecimento d'água

Nordeste emergência climática seca Rio São Francisco
O litoral nordestino não deixa de enfrentar desafios indiretos, mas igualmente preocupantes, especialmente no abastecimento de água e na preservação ambiental, o que pode impactar o turismo e a economia dos estados. / Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A seca que castiga o Brasil há quase 18 meses trouxe impactos históricos para o país, afetando mais de 5 milhões de km², o equivalente a 59% do território nacional. O levantamento foi realizado pelo Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), que também aponta que, desde junho de 2023, ao menos 137 cidades enfrentaram nove meses consecutivos de estiagem.

Embora a estiagem seja uma realidade em todas as regiões brasileiras, seus efeitos variam em intensidade e extensão, reflexo da diversidade climática de um país com dimensões continentais. De acordo com especialistas, o fenômeno El Niño, combinado a mudanças climáticas e ações humanas, como queimadas e uso inadequado de recursos naturais, está entre os fatores que agravaram o quadro atual.

Na Região Nordeste, a situação é crítica em estados como Maranhão, Alagoas, Sergipe e nordeste da Bahia, onde a área afetada por seca grave (S2) aumentou significativamente. Dados do último boletim publicado pelo Monitor de Secas da Agência Nacional de Águas (ANA) mostram que, em novembro de 2024, indicadores apontaram para um avanço da seca moderada (S1) em grande parte da região.

Por outro lado, algumas áreas registraram melhorias. O sul da Bahia registrou uma involução da seca, que passou de moderada (S1) para fraca (S0), e em áreas do sudeste do Piauí, oeste de Pernambuco e extremo sul do Maranhão, o quadro apresentou o mesmo padrão, involuindo de grave (S2) para moderado (S1).

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Apesar da melhora no cenário, o litoral nordestino não deixa de enfrentar desafios indiretos, mas igualmente preocupantes, especialmente no abastecimento de água e na preservação ambiental.

O biólogo Maurício Dália explica que as mudanças climáticas que podem se seguir nos próximos anos serão intensas, destacando que a região é a maior em intensidade solar do país. “Acredito que poderemos perceber diversas mudanças climáticas. Não haverá só o aumento ou diminuição da seca, mas essas transformações climáticas vão alterar a dinâmica de ventos, a dinâmica de chuva, a dinâmica de tudo. Por exemplo, lugares que eram áridos vão se tornar menos áridos e vice-versa”, explica.

Panorama dos estados do Nordeste

Com o agravamento da estiagem em boa parte da região, inclusive em áreas metropolitanas e do litoral, os esforços para garantir o fornecimento hídrico a moradores e visitantes se intensificaram.
Com o agravamento da estiagem em boa parte da região, inclusive em áreas metropolitanas e do litoral, os esforços para garantir o fornecimento hídrico a moradores e visitantes se intensificaram. Foto: Rafa Neddermeyer / Agência Brasil

O verão, estação do ano tradicionalmente marcada pela chegada de turistas em busca das praias paradisíacas do Nordeste, está diante de um cenário de pressão sobre os sistemas de abastecimento de água no começo deste ano.

Em destinos turísticos como Salvador, Maceió e Aracaju, que recebem milhares de turistas no período, a gestão hídrica torna-se uma questão estratégica. Em alguns casos, autoridades locais têm recorrido a ações emergenciais e campanhas de conscientização para reduzir o consumo de água em hotéis, pousadas, restaurantes e por parte da população.

Pernambuco conta com plano de contingência no primeiro trimestre de 2025

O secretário de recursos hídricos e Saneamento do estado, Almir Cirilo, e o presidente da Compesa, Alex Machado Campos.
Foto: Raianne Romão/Movimento Econômico

Em Pernambuco, na última segunda-feira (30/12), a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), juntamente com a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), a Secretaria de Recursos Hídricos e Saneamento de Pernambuco e a Secretaria Executiva de Proteção e Defesa Civil, decretaram um plano de contingência para o primeiro trimestre de 2025.

Até o momento, 94 cidades decretaram situação de emergência, em um cenário de escassez de recursos hídricos, que compromete o abastecimento de água e traz reflexos nas condições de vida da população e na economia local.

As barragens Bita e Utinga estão em estado de pré-colapso, que estão com 13% e 13,8% de seu volume, respectivamente, sendo responsáveis por cidades do litoral e que são pontos turísticos em alta temporada, como Porto de Galinhas, em Ipojuca, e Cabo de Santo Agostinho.

“Estamos administrando o volume de água para as regiões de praia, levando em conta o turismo que ocupa essa área. Vamos fazer um regime especial para essas cidades nesse período”, conta o presidente da Compesa, Alex Campos.

O Porto de Galinhas Convention & Visitors Bureau, fundação sem fins lucrativos que realiza a captação de recursos e apoio à realização de eventos e a promoção do balneário, afirma que os hotéis e pousadas associadas estão cientes do alerta da Compesa e que possuem infraestrutura para “assegurar o fornecimento de água, garantindo o conforto e o bem-estar dos hóspedes”.

A organização informa ainda que reconhece que estabelecimentos menores podem enfrentar problemas por causa da estiagem e do plano de contingência. “Nossa entidade permanece comprometida, colaborando com parceiros e autoridades para mitigar qualquer adversidade e preservar a qualidade da experiência turística na região”, afirma por meio de nota.

Sergipe desenvolve programa estadual de mitigação da seca

Apesar do panorama desafiador, que vem afetando diretamente cerca de 700 mil pessoas no sertão e agreste sergipanos, o Governo de Estado garante que a atividade turística local não está sendo prejudicada com os efeitos da seca.
Apesar do panorama desafiador, que vem afetando diretamente cerca de 700 mil pessoas no sertão e agreste sergipanos, o Governo de Estado garante que a atividade turística local não está sendo prejudicada com os efeitos da seca. / Foto: Arthuro Paganini/Secom Sergipe

Sergipe, um dos estados que registrou o aumento de seca moderada (S1) para seca grave (S2), identificou que o período de seca impactou significativamente o abastecimento de água, especialmente no Sertão e Agreste, regiões já vulneráveis devido às condições naturais e climáticas.

Além disso, há o avanço da desertificação e degradação ambiental por conta do desmatamento de matas ciliares e o assoreamento dos manguezais, que comprometem os ecossistemas e a capacidade de retenção e renovação hídrica, comprometendo a qualidade e quantidade de água disponível.

Entre os principais impactos da seca no abastecimento está a redução nos volumes de água em todos os mananciais superficiais e poços artesianos, com exceção do Rio São Francisco, que apresenta menor baixa na vazão. Isso afeta diretamente cerca de 700 mil pessoas no Sertão e Agreste sergipanos.

De acordo com o governo estadual, a Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso), junto à Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Sustentabilidade e Ações Climáticas (Semac) e outras instituições, participa do programa estadual de mitigação da seca, buscando minimizar esses impactos com medidas estratégicas.

Apesar do panorama desafiador, o Governo de Sergipe garante que a atividade turística local não está sendo prejudicada com os efeitos da seca.

“Felizmente, o turismo em Sergipe segue vivendo a alta temporada sem o impacto das questões relacionadas à seca tanto na região litorânea, nas famosas praias, como a da Atalaia, em Aracaju, e a do Saco, em Estância, quanto no Sertão, principalmente na área banhada pelo Rio São Francisco, a exemplo do Cânion de Xingó, em Canindé do São Francisco, um dos principais atrativos turísticos do nosso estado”, afirma o governo por meio de comunicado.

Alagoas faz investimento R$ 10 bi para ampliar fornecimento de água

Os investimentos do programa Mais Águas Alagoas têm como objetivo ampliar a distribuição de água e melhorar o tratamento de esgoto nas áreas mais críticas, principalmente aquelas contempladas pelo Canal do Sertão, sistema fundamental para a distribuição de água no semiárido estadual.
Foto: Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional

Em Alagoas, o Governo do Estado tem atuado na mitigação da seca nas regiões mais afetadas, especialmente no semiárido alagoano, que compreende cidades como Belo Monte, Olho d’Água Grande, Porto Real do Colégio e São Brás.

Nesse sentido, a Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal) está executando o Programa Mais Águas Alagoas, que visa garantir a segurança hídrica e combater a intermitência no abastecimento de água, um problema histórico para milhares de sertanejos.

“O programa foca em grandes investimentos públicos e privados, com destaque para as concessões, que já somam mais de R$ 6 bilhões em compromissos firmados com concessionárias. Esses investimentos têm como objetivo ampliar a distribuição de água e melhorar o tratamento de esgoto nas áreas mais críticas, principalmente aquelas contempladas pelo Canal do Sertão, um sistema fundamental para a distribuição de água no semiárido alagoano”, afirma a entidade por meio de comunicado.

Além disso, a Casal é responsável por captar e tratar água de 17 mananciais para abastecer 77 municípios, com destaque para o Rio São Francisco, que sozinho atende 38 cidades. O monitoramento constante desses mananciais e a adoção de medidas preventivas, como o aumento da preservação de água, garantem que, mesmo durante os períodos de seca, não haja racionamento de água por razões climáticas.

No que diz respeito ao turismo, a companhia garante o turismo do litoral não será afetado, uma vez que não há risco de desabastecimento no estado. “Graças ao trabalho de monitoramento e gestão eficiente, a população pode contar com o fornecimento contínuo, mesmo em períodos mais críticos de seca”.

Além disso, expectativa é de que, até 2030, com cerca de R$ 10 bilhões em investimentos, o Estado continue a aumentar a capacidade de fornecimento de água, garantindo mais segurança hídrica para a população e mitigando os efeitos da seca em Alagoas.

Apesar do avanço da seca, Ceará garante que situação não afetou turismo local

A presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Ceará (ABIH-CE), Ivana Rangel, afirma o avanço da seca ainda não foi discutido pela entidade desde o começo da alta temporada. / Foto: Reprodução de imagem do site Viajoteca

No Ceará, devido à piora nos indicadores, foi percebido um avanço da seca fraca (S0) no norte e da seca moderada (S1) no centro e sul do estado, de acordo com o último boletim do Monitor de Secas, datado em novembro de 2024. Mesmo com a evolução da seca, os impactos são definidos pelo levantamento como de curto prazo (C).

Apesar do panorama preocupante, a presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Ceará (ABIH-CE), Ivana Rangel, afirma que essa ainda não foi uma preocupação da entidade. “Sabemos que qualquer impacto, por menor que seja, termina gerando um problema. Mas a falta [de água] ainda não foi discutida nas nossas reuniões”, comenta em entrevista por telefone.

Para o diretor das Unidades do Interior da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), Carlos Salmito, medidas de contingência podem precisar ser tomadas, dependendo do panorama local.

“A partir do momento que o manancial perde volume, aquela qualidade da água fica mais difícil de ser tratada, então muitas vezes a gente acaba tendo que diminuir um pouco a oferta por conta da questão do tratamento, não só da quantidade mas também sobre o aspecto da qualidade de água que a gente tem que ofertar dentro dos padrões de portabilidade”, comenta.

Salmito comenta que a seca afeta a população das regiões brasileiras sobre diversos aspectos, inclusive o econômico, pois todos estão sendo afetados por um panorama de escassez hídrica. Isso pode, por exemplo, atrapalhar atividades como a agricultura familiar.

Risco à sustentabilidade do turismo

Especialistas alertam que a seca pode trazer impactos para a indústria do turismo, caso medidas sustentáveis não sejam adotadas. A preservação dos recursos naturais e o uso racional da água são apontados como essenciais para garantir que o litoral nordestino continue atraente para visitantes e economicamente viável para as comunidades que dependem da atividade turística.

O biólogo Maurício Dália chama atenção para pesquisas e criação de áreas protegidas como estratégias para a preservação de ecossistemas costeiros. “A gente tem que avaliar, tem que coletar dados, criar modelos para o futuro tentando entender como é que vai estar futuramente a distribuição climática e onde estão os recursos mais ameaçados devido a essa mudança climática”, aponta.

“O principal para mim é proteger floresta, que é a única fábrica de água que a gente tem. É preciso proteger o que temos agora, pois a gente não sabe se aquele lugar vai ser fundamental para a nossa sobrevivência no futuro”, completa ele.

Além disso, Dália destaca a necessidade de proteger áreas que podem ser visadas pela construção mobiliária: “uma área de interesse de incorporadoras pode ser o foco de água que, no futuro, poderia estar suprindo a nossa necessidade. Por isso, defendo que devemos identificar quais são os lugares que vão ser mais e menos atingidos, além de identificar quais são as áreas potenciais que vão servir como recursos naturais para protegê-las”. 

Maurício frisa ainda que, para além de desenvolver alternativas para driblar a seca e pensar em alternavas para potencializar a distribuição de água, é necessário preservar áreas turísticas e controlar a quantidade de visitantes nos locais. “É preciso moderar a intensidade de pessoas consumindo o turismo nos locais. Porto de Galinhas é um exemplo. Há 20 anos, havia muito mais vida naqueles corais próximos à terra e já hoje não tem tanta vida assim, não tem tanta diversidade. Hoje tem diversos corais mortos”, conclui.

Leia mais: Projetos de turismo e energia solar recebem R$ 143,1 milhões do FDNE

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