Menos de um mês de implantado, Bilhete Único já enfrenta percalços no Grande Recife

Visto como uma medida sem volta, o problema do Bilhete Único é que, sem subsídios públicos para garanti-lo, as empresas tendem a reduzir a qualidade do serviço
Bilhete Único Grande Recife
Ao todo, R$ 310 milhões foram prometidos pelo Governo de Pernambuco para subvencionar o serviço este ano / Foto: Miva Filho/Governo de Pernambuco

Não durou nem um mês a lua de mel entre poder público, operadores e passageiros de ônibus da Região Metropolitana do Recife depois da implantação do bilhete único, demanda de uma década concretizada na gestão da governadora Raquel Lyra (PSDB).

Ao todo, R$ 310 milhões foram prometidos pelo Governo de Pernambuco para subvencionar o serviço este ano, o que, ainda assim, não impediu que uma das oito empresas permissionárias do sistema anunciasse que quer entregar parte de suas operações devido à demora no repasse de subsídios referentes a 2023, que estariam com até seis meses de atraso.

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A decisão foi comunicada ao Grande Recife Consórcio de Transporte, órgão gestor ligado ao Governo do Estado, em ofício remetido pela empresa Vera Cruz no dia 5 de março, apenas dois dias após a entrada em vigor do bilhete único. A empresa alegou “reiterado desequilíbrio econômico-financeiro” nas operações devido à sobreposição de itinerários de outras operadoras às suas linhas, à concorrência com a Linha Sul do metrô e ao modelo de remuneração do sistema de integrações, que faz com que 66% dos passageiros transportados embarquem nos ônibus da Vera Cruz sem pagar uma nova tarifa.

A permissionária argumentou ainda que o órgão gestor tem atrasado em até 180 dias os repasses feitos às empresas de ônibus, o que põe em xeque a principal garantia dada pela gestão estadual para custear o bilhete único sem reajuste tarifário. Dos R$ 310 milhões em subvenções previstos para este ano, R$ 60 milhões serão destinados para cobrir a diferença entre o anel B – que custava R$ 5,60 e foi extinto – e o anel A – que tem o valor de R$ 4,10 e se tornou a tarifa única do sistema.

Decisão é vista com preocupação

A Vera Cruz transporta 42 mil passageiros em 50 linhas de ônibus na Zona Sul da capital pernambucana e nos municípios de Jaboatão dos Guararapes e Ipojuca. No comunicado, propôs devolver a operação de nove linhas, unificar duas e permutar outras três por 90 dias para “racionalizar a operação” e “atender nossa comunidade com maior eficiência e regularidade”.

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A decisão gerou reações de instituições com assento no Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM), instância decisória que aprovou o bilhete único em reunião realizada no dia 22 de fevereiro. O presidente do Sindicato dos Rodoviários do Recife e da Região Metropolitana, Aldo Lima, por exemplo, emitiu nota cobrando garantias de que “nenhuma linha será afetada, que nenhum ônibus será retirado e que nenhum trabalhador será demitido”.

Parlamentares da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), casa que também tem voto no CSTM, se manifestaram no mesmo sentido. Para o deputado João Paulo (PT), que governou o Recife entre 2001 e 2008, é necessário tirar do papel uma gestão compartilhada do sistema de transporte com os 14 municípios da Região Metropolitana. Hoje apenas a capital e Olinda integram o Grande Recife Consórcio de Transporte, e Camaragibe aprovou lei municipal recentemente nessa direção.

Na Câmara Municipal do Recife, vereadores também cobraram providências. Segundo Ronaldo Lopes (PP), alinhado ao Governo Raquel Lyra, a situação da empresa Vera Cruz é antiga e não teve o cuidado necessário de gestões anteriores. Para Aline Mariano (PP) e Samuel Salazar (MDB), o problema pode ser solucionado com a licitação das linhas de ônibus, que chegou a ser ensaiada em 2014, mas acabou suspensa cinco anos depois por orientação da Procuradoria-Geral do Estado.

Atraso em subsídios põe em risco o bilhete único

O bilhete único é visto como uma medida sem volta. O problema é que, sem subsídios públicos para garanti-lo, as empresas tendem a reduzir a qualidade do serviço. É o que argumenta o deputado Sileno Guedes (PSB), que promoveu uma audiência pública sobre o tema no início de março e voltou a cobrar providências da gestão estadual na Alepe na segunda-feira (18).

Ônibus no Recife empresa Vera Cruz
Empresa Vera Cruz propôs devolver a operação de nove linhas, unificar duas e permutar outras três por 90 dias para “racionalizar a operação” / Foto: Wesley D’Almeida/Divulgação

“A legislação que sustentava o modelo de remuneração das empresas perdeu validade no fim de 2023 e um novo projeto de lei ainda não foi enviado à Alepe. Então, esse é mais um complicador para essa questão dos subsídios. Como dissemos dias atrás, há o risco de o passageiro ficar com o bilhete único na mão enquanto espera por ônibus que não chegam”, alertou.

O caso da Vera Cruz atrelou supostos atrasos no pagamento de subsídios à crise vivenciada pela operadora. Contudo, mesmo quando recursos públicos são injetados no sistema, a população não tem visto o pleno retorno desses investimentos. Como o site Movimento Econômico mostrou no início de março, as subvenções do Governo de Pernambuco à operação dos ônibus no Grande Recife dobraram em oito anos, passando de R$ 149 milhões, em 2016, para R$ 310 milhões, em 2024.

Historicamente, os representantes das empresas operadoras no CSTM costumam votar contra propostas de reajuste zero ou de realinhamentos tarifários menores que os pleiteados pelo setor. Na reunião de 22 de fevereiro, porém, surpreenderam ao serem favoráveis à implantação do bilhete único tendo como moeda de troca uma promessa de R$ 60 milhões a mais em subsídios, mesmo com atrasos na remuneração. Na mesma ocasião, melhorias como a renovação da frota e a climatização dos ônibus acabaram não sendo previstas para a operação este ano devido ao não reajuste do valor da passagem.

Governo tem destacado esforço para melhorar sistema

Como contra-argumento às críticas recebidas pelo Governo do Estado após o anúncio da empresa Vera Cruz, a governadora Raquel Lyra destacou, por meio das redes sociais, a entrada em operação de 185 novos ônibus desde 2023 e outras medidas para melhorar o sistema. “O compromisso do nosso governo é garantir um sistema de transporte público de melhor qualidade na Região Metropolitana do Recife. A gente tem trabalhado desde o início da nossa gestão para a renovação da frota”, disse.

Já na Alepe, o deputado Renato Antunes (PL), da base governista, declarou que “a distorção no sistema está sendo corrigida, mas não se resolve uma questão de 16, 20 anos em um mês”.

O Grande Recife Consórcio de Transporte foi procurado pela reportagem para comentar as providências a serem adotadas se a Vera Cruz realmente concretizar a entrega de parte da operação, mas informou que não se pronunciaria sobre o assunto.

Por fim, o Sindicato das Empresas de Transporte Público de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE) esclareceu que o caso diz respeito a uma operadora em específico, que já havia se pronunciado nos termos do ofício enviado ao órgão gestor e tornado público pela imprensa.

Leia mais: Bilhete Único para ônibus agrada, mas também preocupa empresários

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