Montadora do grupo Stellantis já produziu mais de 1 milhão de veículos em Pernambuco e quer chegar a 2030 com 15 novas empresas sistemistas instaladas no Estado
Por Patrícia Raposo
Quem vê um Jeep Compass ou Renegade nas ruas de São Paulo, Manaus, Buenos Aires ou Cidade do México talvez se surpreenda ao saber que eles saem da mais moderna fábrica do Grupo Stellatins no mundo. Ela fica situada num pequeno município nordestino, de 80 mil habitantes, palco de batalhas históricas e cujo centro urbano é Patrimônio Histórico Nacional desde 1938. Talvez não façam ideia de que ali já foram produzidos mais de um milhão de veículos, impactando positivamente essa cidade chamada Goiana, distante 62 km da capital pernambucana, assim como toda a economia do estado.
Quem observa com atenção o que vem acontecendo neste município do Litoral Norte vai perceber que as transformações são tantas que acabam afetando o outro extremo, o Litoral Sul, onde se situa o Complexo Portuário de Suape, e cidades do Agreste, como Bonito, afastada quase 200 km do polo automotivo.
O complexo da montadora Jeep ocupa uma área construída de 260 mil m², emprega 14 mil pessoas e produzirá até o fim deste ano 260 mil unidades, chegando perto de sua plena capacidade de produção, que é de 280 mil veículos ano. É uma planta moderna, robotizada, inserida no contexto da indústria 4.0 e da economia limpa.
A unidade foi o maior investimento na história da indústria automotiva na América Latina – R$ 11bilhões – e, até 2025, deve receber mais R$ 7,5 bilhões, que serão investidos em inovação e desenvolvimento de novos produtos e na atração de novos fornecedores para a cadeia automotiva.
Implantada em terras de antigos canaviais, a fábrica da Jeep colocou Goiana numa posição estratégica no mapa global. E mais do que isso, vem transformado a realidade de milhares de pessoas, 90% delas nordestinos – 85% de pernambucanos. A fábrica abriu horizontes, mostrando um novo mundo e novas possibilidades.
Um bom exemplo é a engenheira química pernambucana de 32 anos, Juliana Coelho, que começou na primeira turma de trainee, quando a planta ainda estava em construção e, em julho de 2020, foi promovida a plant manager, tornando-se a primeira mulher a comandar uma fábrica automotiva na América Latina. Hoje, Juliana ocupa um cargo global: é responsável pela manufatura do grupo Stellantis.
Um milhão de veículos
O Polo Automotivo Stellantis chegou ao sexto ano de operação, em abril, superando a marca de um milhão de veículos produzidos, e para atender à essa intensa produção, a unidade cercou-se, desde sua fundação, de empresas que o abastecem.
O Parque de Fornecedores nasceu formado por 16 empresas em seu perímetro industrial, em Goiana. São empresas como Pirelli, Lear, Magneti Marelli e Adler, que fornecem pneus, eixos, bancos, tapetes, entre outros itens.
Mais fornecedores estão vindo, como a Yazaki, que inaugurou uma fábrica de chicotes elétricos em Bonito, município situado no Agreste pernambucano, distante quase 200 km de Goiana. A unidade entrou em operação em outubro passado – é a sexta no Brasil e a décima no Mercosul. Construída exclusivamente para atender ao complexo industrial do Grupo Stellantis em Goiana, com investimentos que somam R$ 60 milhões, ela ampliou para 34 o número de fornecedores da Jeep instalados em Pernambuco.
“A Stellantis, em sintonia com a política de industrialização do Governo do Estado, continua dialogando com fornecedores para que se estabeleçam no entorno do Polo. A expectativa é que até 2030 estejam instalados em Pernambuco mais 15 fornecedores, entre materiais diretos e indiretos. Atualmente, a cadeia é formada por 34 empresas no Estado”, explica Mateus Marchioro, Plant Manager do Polo Automotivo da Stellantis. Assim como a colega Juliana Coelho, ele também começou como trainee no grupo.
Essa estratégia de instalar fornecedores estratégicos junto à planta permitiu que os veículos produzidos no Polo alcançassem um alto índice de nacionalização. Atualmente, esse índice ultrapassa a marca de 60%, bem acima da média automotiva brasileira.
O atual volume anual de vendas destas empresas à Stellantis é de R$ 4,8 bilhões, o equivalente a 50% do valor total de compras de componentes nacionais utilizados na produção dos modelos Fiat Toro e Jeep Renegade, Compass e Commander, que são fabricados em Goiana.
“A Stellantis continuará aumentando gradativamente o volume de compras no Estado, com grande impacto positivo sobre a economia e o desenvolvimento social local”, destaca Bruno Romeiro, gestor de Compras do Polo.
A indústria comemora
Uma vez que a indústria automotiva tem uma cadeia longa de produção, que envolve muitos fornecedores de diversos setores, a presença da Jeep está dinamizando a economia industrial pernambucana.
“A indústria local se beneficia dos sistemistas que, ao chegarem aqui, geraram um novo polo industrial que vai consumir insumos locais e serviços de manutenção. Quem passa pela montadora vê várias fábricas sendo construídas no entorno, o que vai exigir uma mão de obra mais qualificada”, analisa Ricardo Essinger, presidente da Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe).
Em novembro, o Senai inaugurou uma escola técnica em Goiana, que já é considerada a mais moderna da instituição e tem como objetivo formar profissionais que possam atender às demandas do setor produtivo da região, com cursos técnicos nas áreas de mecatrônica, automação industrial, logística, administração, eletrotécnica e eletromecânica. A fase prática será executada nas fábricas do Polo Automotivo Stellantis de Goiana. “Esse profissional está ganhando um padrão internacional, o que beneficia a indústria como um todo”, ressalta Essinger.
“Estamos colhendo os frutos do trabalho desenvolvido nesses seis anos. Ao lado do foco nas inovações tecnológicas, conseguimos também alcançar a maturidade do time e, consequentemente, resultados motivadores”, comemora Mateus Marchioro.
Inovação
A qualidade profissional é muito importante numa montadora com a envergadura da Jeep, onde a inovação é regra. Concebida para produzir até quatro modelos simultaneamente, foi desta planta que saiu o primeiro carro conectado da Stellantis no país: o Jeep Renegade. Ele é equipado com a Adventure Intelligence by Jeep Connect, plataforma de serviços de conectividade. Ali também nasceu a nova geração da picape Fiat Toro e do líder de segmento Jeep Compass.
Recentemente, a planta passou por ajustes para receber o novo utilitário esportivo, o Jeep Commander, um D-SUV com capacidade para sete passageiros e que chegou para colocar a Jeep no segmento de D-SUV e consolidar o Polo como um verdadeiro SUV Center.
O impacto em Suape
A Jeep exporta esses veículos para vários países e os principais mercados são Argentina, México, Panamá, Chile e Costa Rica. Em 2020, 15% da produção foi para o mercado externo. E até 2020 foram exportadas cerca de 125 mil unidades.
Isso provocou grande transformação na movimentação de cargas de Suape, porto que trabalhava exclusivamente com importação automotiva até a entrada em operação da montadora.
“A Jeep mudou a dinâmica de Suape, que passou também a exportar veículos. E como as tarifas aqui chegam a ser quatro vezes mais baixas que as do porto de Santos, por exemplo, isso acabou atraindo outras montadoras. Tanto para importação como exportação”, explica Paulo Coimbra, diretor de Gestão Portuária de Suape.
Aa tarifas de Suape são as mais baixas para veículos entre todos os portos públicos brasileiros porque fazem parte do incentivo dado pelo governo do estado para atrair a montadora.
Suape também se beneficiou com uma maior movimentação de contêineres, porque 40% da matéria-prima usada na produção automotiva vêm de fora de Pernambuco.
Hoje, segundo Coimbra, quase metade de toda movimentação de veículos destinado à exportação que ocorre no porto vem da unidade da Jeep em Goiana. “Em 2019, o percentual foi de 47%, em 2020 subiu para 50% e neste ano de 2021, nossa estimativa é que chegue a 55,5%”, explica.
O diretor ressalta que se for considerado a Stellantis como um todo o volume é maior. Em 2020, o Grupo Stellantis foi responsável por 86,7% de toda movimentação de veículos em Suape. Isso porque muitos carros chegam da unidade da Stellantis em Betim (MG), via ramal rodoviário, para embarcar em Suape. A mesma carreta que desembarca esses veículos, segue até Goiana para buscar automóveis da Jeep para levá-los ao Sudeste, criando assim um ciclo de logística completo. O fato é que graças a Jeep, hoje Suape está movimentando 250 mil veículos por ano.
Toda essa movimentação vem abrindo novas possibilidade para Suape. “Temos grande expectativa, considerando nossa posição geográfica, de nos tornarmos um porto de transbordo de veículos”, diz o gestor. Se isso se concretizar, Suape passará a receber veículos importados que serão desembarcados, mas não nacionalizados. Esses veículos seguiriam então para o Sudeste por cabotagem. Temos plenas condições para isso, porque nosso pátio tem 9 mil posições estáticas”, explica. “Infelizmente ainda não movimentamos veículos por cabotagem, mas isso é uma questão de tempo”, estima Paulo Coimbra.