Depois de uma semana marcada pelo recuo do Governo Federal na decisão de monitorar transações via Pix acima de R$ 5 mil feitas por pessoas físicas, novos desafios já se anunciam nessa área. O lançamento do Drex, o real digital, é um deles e já está na mira de narrativas que apontam supostos riscos à privacidade dos contribuintes. Outra preocupação é sobre o fim dos sistemas de checagem da Meta, que está começando pelos Estados Unidos e pode demandar decisões judiciais – a exemplo do que ocorreu com o X – que venham a afetar o funcionamento de redes sociais pelas quais milhões de brasileiros obtêm sua renda.
Em 8 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), já havia declarado que a corte “não vai permitir que as big techs, as redes sociais, continuem sendo instrumentalizadas, dolosa ou culposamente, ou ainda somente visando lucro, para ampliar discursos de ódio, nazismo, fascismo, misoginia, homofobia e discursos antidemocráticos”. Disse ainda que “a nossa Justiça Eleitoral e o nosso Supremo Tribunal Federal já demonstraram que aqui é uma terra que tem lei”, que “as redes sociais não são terras sem lei” e que, “no Brasil, só continuarão a operar se respeitarem a legislação brasileira”.
As afirmações foram feitas no dia seguinte após o magnata Mark Zuckerberg – dono do grupo Meta, que controla o WhatsApp, o Instagram e o Facebook – anunciar que vai abolir a checagem de conteúdo e que quer tornar mais permissiva a moderação de postagens dos usuários, medida interpretada como uma sinalização ao novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que assume o cargo nesta segunda-feira (20). No Brasil, porém, a reação do Judiciário acendeu um alerta sobre em que proporções o combate a discursos de ódio nas redes sociais poderia afetar, em paralelo, a economia popular que prospera nessas plataformas.
Conforme pesquisa divulgada pelo Sebrae, sete em cada dez empreendedores brasileiros trabalham com vendas online – desses, 84% pelo WhatsApp, 54% pelo Instagram e 51% pelo Facebook, exatamente as três plataformas mais conhecidas da Meta. Conforme o levantamento, a maior presença digital, especialmente do segmento varejista, se intensificou durante a pandemia de Covid-19 em função das medidas de isolamento social. Essa maior dependência das redes sociais para ganhar dinheiro torna esses negócios muito mais vulneráveis se elas saírem do ar – seja em caso de pane, seja por conta de bloqueios judiciais.
Falhas ao comunicar mudanças no Pix afetou pessoas com renda menor
Especialista em Comércio Exterior e em Estudos Prospectivos e Desenvolvimento Econômico da América Latina e Caribe, o economista Edgard Leonardo diz que vê paralelos entre a crise recente sofrida pelo Pix e eventuais desafios que o Brasil terá que enfrentar se houver um acirramento na relação entre o Poder Judiciário e empresas como a Meta.
“Quando o WhatsApp falha, a economia para, porque a gente se digitalizou. E é natural que a gente se digitalize mais. Foi o que ocorreu com o Pix, adotado como forma de pagamento mais comum. O problema é que o que acontece nas redes sociais gera uma perspectiva de impunidade muito grande. Sou a favor de que tenhamos mais liberdade e, se eventualmente alguém comentar um crime, que esse seja punido de forma ágil, sem que para isso todo um grupo de pessoas que precisa dessas plataformas seja afetado”, opina.
Do ponto de vista político, o economista avalia que a crise do Pix afetou em cheio uma parcela da população que era a que recebia com mais disposição as pautas defendidas pelo presidente Lula (PT). “Qualquer notícia que envolva o Pix vai repercutir numa camada da população de baixa renda, informal, que é a que usa o Pix para grande parte de suas pequenas transações do dia a dia. O papel do Estado, muitas vezes, é sinalizar para a sociedade, gerando confiança, e não foi o que aconteceu. Temos um ministério específico para falar com o microempreendedor. Será que esse ministério foi consultado?”, questiona.
No mesmo sentido, o cientista político Rudá Ricci diz que o episódio envolvendo o Pix deve ficar como um aprendizado para que o governo intensifique a agenda positiva de forma mais atenta ao jogo político envolvido.
“Uma das piores situações na política é quando se fica na defensiva o tempo inteiro, e a corda quem dá é o adversário. Lula muitas vezes inverte o jogo, mas nem o PT nem o governo vão na dele. O governo tem que anunciar uma agenda para superar essa”, defende, acrescentando que recentes vitórias do novo ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, Sidônio Palmeira, ao sugerir a revogação do monitoramento do Pix e ao fazer mudanças substanciais na comunicação, são sinalizações positivas.
Crise do Pix é aprendizado antes do lançamento do Drex, diz especialista
Para o capítulo seguinte, que pode ser o lançamento do Drex pelo Banco Central, previsto para este ano, a defesa é de que os esforços de comunicação da própria instituição e do Governo Federal comecem desde já e de forma integrada para evitar outro constrangimento como o de uma revogação ou necessidade de adaptação profunda de uma medida anunciada.
“Para mim, o Drex será um grande avanço. Vai dar segurança para transações, vai facilitar para quem vai declarar Imposto de Renda. Mas vai ter gente que não vai gostar. Do mesmo modo que é natural que a Receita encontre formas de buscar essas informações por meios digitais. A conversa entre os 37 ministérios e o Banco Central deve estar sincronizada, pois as informações caminham nas infovias em uma velocidade que não havia no passado, e os envolvidos nessas medidas precisam estar atentos a isso”, comenta o economista Edgard Leonardo.
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