Os movimentos de bloqueio a rodovias do país, em protestos contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência da República no último domingo (30), têm sido repudiados por líderes dos caminhoneiros e tratados como militância bolsonarista.
Até o início da tarde desta terça-feira (1º), 306 pontos de obstrução em rodovias foram liberados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), mas ainda há outras 267 interdições a para desobstruir. A demora, dizem especialistas, traz impactos negativos para a cadeia de distribuição no país e pode causar prejuízos à economia, além de elevar a – já altíssima – tensão política.
Movimento de bolsonaristas
A memória da greve dos caminhoneiros que levou ao desabastecimento de postos de gasolina e prejudicou o abastecimento em todo o Brasil, assusta a população. Contudo, líderes do movimento afirmaram que não organizaram ou participam da paralisação das vias.
Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL) classificou os movimentos como “antidemocráticos” diz ser “falsa” a alegação de que a manifestação representa a toda a categoria. “Importante deixar claro que esse movimento não é organizado pelos trabalhadores”, diz a entidade.
“A pauta dos caminhoneiros não é política, mas econômica. Os 800 mil caminhoneiros autônomos e celetistas da base da CNTTL continuarão a luta pela volta da aposentadoria ao 25 anos de trabalho, pela consolidação do Piso Mínimo de Frete, pela criação de pontos de parada e descanso, pela redução do preço do combustível e pela defesa da Petrobras”, afirma a Confederação.
Uma das lideranças que despontou em 2018, o caminhoneiro Wallace Landim, conhecido pelo apelido “Chorão”, postou um vídeo questionando as manifestações e dizendo não ser “hora de parar o Brasil: “Nesse momento, parar o país vai prejudicar muito a democracia desse país. Precisamos ter reconhecimento da democracia, da vitória do presidente [Lula]”, afirma Chorão, argumentando que a categoria precisa de alinhamento com o novo governo para aprovar pautas que interessam à classe dos caminhoneiros.
O caminhoneiro autônomo e diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL), Carlos Alberto Litti Dahmer, segue a mesma linha, afirmando que “a pauta econômica que deve ser mantida e levada, independentemente do governo”.
Um dos apoiadores dos bloqueios, o caminhoneiro Janderson Maçanero, conhecido como Patrola, confirmou à BBC que a maioria dos manifestantes sem sua cidade, Itajaí (SC), são pessoas de diferentes profissões. Ele afirmou que a duração do movimento dependerá do posicionamento de Bolsonaro. “Estamos esperando ele falar. Ou Bolsonaro vai à guerra, ou ele se extinguirá do cenário político, porque aí ele não é o líder que pensávamos”, disse, ressaltando que não apoiaria um golpe militar.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) diz que está acompanhando atentamente a situação das estradas, e que mantém contato permanente com representações setoriais e estaduais para avaliar os impactos sobre as atividades produtivas. “As entidades aguardam os desdobramentos da ação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) a partir da determinação do Supremo Tribunal Federal (STF)”, ressalta a CNI.
Impacto econômico
De acordo com o economista do Ceplan Consultoria Econômica e Planejamento, Ademilson Saraiva, o impacto direto de paralisações da categoria se dá sobre as cadeias de distribuição, visto que o nosso principal modal é o transporte rodoviário.
O risco, segundo ele, é que esses protestos se prolonguem, “impactando os custos das operações logísticas ou levando a perda de mercadorias e, consequentemente, afetando os preços de produtos essenciais, como alimentos, cuja média de preços até registrou um recuo de meio ponto percentual em setembro”. Ele conclui, afirmando que “espera-se um pronunciamento [de Bolsonaro] pacífico, contribuindo para a dispersão desses protestos”.
Outros segmentos da economia também se manifestaram sobre os danos que o bloqueio das rodovias causa à economia. Em nota, a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) pediu apoio ao presidente Bolsonaro “a respeito das dificuldades de abastecimento que já começam a enfrentar os supermercadistas em função da paralisação dos caminhoneiros nas estradas do país”.
Por sua vez, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) está monitorando a situação para ter condições de antecipar impactos no abastecimento de comida à população.
“É fundamental, portanto, que haja a livre circulação de caminhões e veículos privados ou coletivos que transportem colaboradores da indústria de alimentos e bebidas, bem como insumos e produtos acabados para abastecer os varejos e os estabelecimentos de alimentação, assegurando, desta forma, o bem-estar da sociedade”, diz a ABIA.
A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) informou ter alertado autoridades sobre o impacto que as paralisações estão gerando na malha aérea. “Estimativa das empresas aéreas mostra que, caso o cenário atual se mantenha, ao longo do feriado o setor poderá sofrer com desabastecimento de combustível”, diz a nota da entidade.
O setor também pode ser afetado pela dificuldade de chegada de profissionais, tripulantes e passageiros aos aeroportos, prejudicando até atividades essenciais, como o transporte gratuito para o transplante de órgãos.
Entenda o caso
Além de questionarem o resultado das eleições, os bolsonaristas que bloqueiam rodovias têm reivindicações antidemocráticas, como intervenção militar para impedir a posse do presidente eleito. Eles ainda cobram do presidente Jair Bolsonaro (PL) uma posição firme de contestação do resultado da eleição.
Até o momento, Bolsonaro não fez nenhuma declaração pública, reconhecendo ou contestando a vitória de Lula, optando por um silêncio inédito na história brasileira desde a redemocratização do país. Bolsonaro chegou a pedir uma reunião com ministros do STF, mas o vazamento da informação levou ao seu cancelamento.
Diante do cenário, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou o desbloqueio das vias pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), com multa de R$ 100 mil por hora de descumprimento, além de possível prisão e afastamento do diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, por desobediência.
Com a decisão do STF, não é apenas a PRF quem pode agir contra os bloqueios. Tropas da Polícia Militar já foram acionadas para liberar as vias obstruídas em diversas regiões do Brasil. As forças de segurança estão autorizadas a identificar, multar e prender os responsáveis pelos bloqueios, até mesmo em rodovias federais.