Por Juliana Cavalcanti
Uma cadeia produtiva que faturou no Brasil nada menos que R$ 161 bilhões em 2020, com a produção de 7,93 bilhões de peças na indústria de confecção e 1,91 milhão de toneladas no segmento têxtil, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). Mesmo com as perdas provocadas pela pandemia do Covid-19, o setor têxtil e de confecções gerou em 2021 nada menos que 1,36 milhão de empregos diretos e 8 milhões de pessoas ocupadas – se forem considerados os empregos indiretos e o efeito renda, com 60% da mão de obra do gênero feminino.
São 24,6 mil unidades de produção em todo o Brasil. Dados superlativos diante de desafios de competitividade com a produção internacional e da necessidade de adequar a indústria às exigências de um mundo sustentável, ambiental e socialmente viável.
As soluções para graves repercussões da cadeia produtiva e um novo olhar sobre o consumo neste segmento têm sido apontadas por uma nova geração de jovens empreendedores preocupados com inovação e sustentabilidade, criando soluções aparentemente simples, mas surpreendentes pelo que propõem.
Em Pernambuco, onde o Polo Têxtil e de Confecções do Agreste – cujos principais municípios são Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe – é destaque e se posiciona entre os três maiores do Brasil, com uma produção de nada menos que 800 milhões de peças por ano e faturamento estimado em R$ 4 bilhões anualmente, muitas indústrias e fábricas de todos os tamanhos já adotam algumas dessas medidas para mitigar os impactos da cadeia produtiva.
Um exemplo criativo de enfrentamento de uma grave questão envolvendo a indústria têxtil vem da região Sul do Brasil, de uma empresa iniciada nos laboratórios da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e que tem se destacado por propor o tratamento dos efluentes através da utilização de ozônio, sem produtos químicos e sem rejeitos ao final do processo.
Liderada pelo químico Bruno Mena Carorin, a Wier utiliza um sistema que utiliza ozônio para destruir quimicamente os compostos causadores da poluição (corantes e poluentes), tornando a água usada na produção potável novamente. A tecnologia – no mercado há 10 anos – já é utilizada por empresas em todos os estados brasileiros e noutros 20 países.
Além desta solução, a Wier também desenvolveu um processo de beneficiamento de jeans que evita que o tecido desbote e manche os detalhes das peças, proporcionando uma espécie de tratamento nas fibras. Esta tecnologia já é utilizada por 10 empresas do Agreste pernambucano. Presente da 5ª edição da feira Agreste Tex, realizada em Caruaru no mês de março, a empresa instalou protótipos dos equipamentos para mostrar ‘ao vivo’ a revolução ambiental que propõe.
“Sabemos que um dos grandes problemas da indústria têxtil é a poluição da água. Há várias situações de rios e curso d’água totalmente poluídos, de águas azuis ou rosadas. O que a maioria das indústrias realiza atualmente para descontaminar a água é um processo que adiciona produtos químicos ao rejeito e transforma tudo num lodo – do estado líquido para o sólido, num processo de secagem – que é transportado para aterros sanitários. O que a gente propõe é usar ozônio – um gás originado do oxigênio – para despoluir a água e devolvê-la ao meio ambiente totalmente limpa”, explica Bruno Mena Cadorin.
Segundo o empresário, o sistema não demanda mudanças na estrutura de tratamento de efluentes já existente nas fábricas e é instalado acoplado às máquinas, possibilitando a redução de até 70% dos gastos com produtos químicos – dependendo do tipo de rejeito resultante da produção industrial. O sistema também possibilita o reuso da água, diminuindo dessa forma também o consumo de água.
“Nossa proposta é que a indústria pode economizar e também se posicionar de forma destacada nas demandas de futuro, de um mundo mais sustentável e condizente com as práticas ESG [governança ambiental, social e corporativa, numa tradução livre do inglês]”, afirma Cadorin, cujos produtos inspirados na experiência de vida vendo as indústrias têxteis do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, já alcançam praticamente todo o Brasil e países como Austrália, Itália, Estados Unidos, México e Argentina.
Indústria têxtil precisa se reinventar
Fundador da Andrade Máquinas Ltda. – uma das maiores distribuidoras de máquinas de costura do Brasil – Mauro Andrada reflete sobre os desafios que se colocam para o segmento num futuro muito próximo. “Hoje vivemos o fast fashion, em que da criação a finalização, o ciclo da coleção dura em torno de 45 dias. Acredito que a cada dia isso vai ser aperfeiçoado. Existe no mundo um movimento em prol da sustentabilidade e se não houver essa adaptação, a produção vai acabar com o próprio mercado”, considera o industrial.
“Acredito que o futuro é para quem estiver preocupado em vender roupas sustentáveis, biodegradáveis. O futuro pertence às empresas preocupadas com o meio ambiente”, afirmou Andrada, destacando que o Brasil ocupa uma posição destacada no consumo de máquinas de costura no mundo, colocando-se numa zona de interesse do setor mundial.
Para Giordana Madeira, diretora executiva do Febratex Group, o Brasil tem um papel importante nesse futuro da indústria, mais sustentável e eficiente. “O Brasil é um país enorme. Não é possível falar de apenas um Brasil têxtil. Considero que a nossa fraqueza é também a nossa grandeza. É preciso trazer valor à cadeia produtiva para conseguir inovar. Aqui é possível, por exemplo, fazer uma indústria 100% vertical, sustentável e rastreável e isso gera valor; é o que o consumidor do futuro vai querer”, ressalta a empresária.
Como exemplo, ela cita a cadeia produtiva do algodão – que pode ser totalmente sustentável, saindo do cultivo e da colheita, ao processamento dos fios e à produção dos tecidos, até a indústria de confecções. “O potencial é enorme, passando por plantação, fiação, tecelagem, confecção e a marca. A indústria precisará se adequar ao ‘green deal’ até o ano de 2025. Vamos precisar enfrentar essa questão dos resíduos da indústria e da proibição do descarte. Será preciso pensar cada vez mais no valor da economia circular”, complementa Giordana Madeira, lembrando que recentemente o mundo se chocou ao ver verdadeiras montanhas de roupas rejeitadas e descartadas pela indústria de moda e confecções no deserto do Atacama (Chile).
O vice-presidente da Associação Brasileira de Tecnologia Têxtil, Confecção e Moda (ABTT), Reinaldo Rozzatti, ressalta a importância de adotar processos mais eficientes – unindo a experiência e o conhecimento das empresas e da academia, para diminuir o uso de produtos químicos, gerar menos resíduos e promover o reaproveitamento e o reuso. “Acredito que o futuro é do guarda-roupa sustentável, das roupas veganas, de estender o ciclo da vida das roupas”, considera, lembrando que apenas 32,3% das cidades brasileiras têm programas de coleta seletiva de resíduos atualmente.
Soluções para reduzir desperdício e economizar
Entre as soluções propostas no sentido de reduzir o uso de produtos químicos e também os rejeitos na indústria, a Botõesflex – empresa que produz botões flexíveis, plaquinhas e fivelas para jeans – também se destaca. A proposta da empresa é concorrer no segmento de enfeites e botões de metais – com variedade de formas, apresentação, cores e mais resistentes.
“Temos um produto diferenciado e inovador, ecologicamente correto. O processo que a gente usa para fazer os acabamentos brilhantes chama-se metalização a vácuo. É um processo físico e não químico e não gera resíduos. O polo têxtil do Agreste de Pernambuco é o segundo maior polo fabricante de jeans do Brasil e foi um dos primeiros mercados para nós. A primeira viagem foi em abril de 2017 e de lá pra cá a gente só vem crescendo [o número de clientes]”, explica Arlei Zotti, diretor da Botõesflex.
A cartela de produtos tem cerca de 1.500 opções diferentes, com diversas possibilidades de aplicação. Por serem mais leves – menos de 50% do peso dos produtos semelhantes feitos em metal – a empresa também aposta em ganhar clientes interessados num menor custo com transporte. Enquanto um botão da empresa pesa cerca de 3 gramas, um de metal pesa em média 8 gramas; num pedido de 50 mil peças, por exemplo, o mais leve pesaria 150 quilos, enquanto as de metal resultariam em 400 quilos a serem transportados. “Consideramos que questões como combustível, valor do frete e volume transportado também devem influenciar as decisões das indústrias”, complementa Arlei Zotti.
Proposta de perda zero para as confecções
Do lado das confecções, a proposta de Tyara Nascimento, da Mold.me – uma ferramenta de modelagem e encaixe automático propõe uma solução para que os clientes realizem o processo de modelagem e planejamento de corte das peças de forma automática, evitando perdas por falta de planejamento ou experiência com esta etapa.
“O software planeja os enfestos – quando o tecido é esticado e colocado em camadas planas e alinhadas para serem cortadas – já prevendo a quantidade e a forma das peças e inclusive a gradação dos tecidos e a possibilidade de encolhimento. A ferramenta encaixa vários modelos na base, com aproveitamento total dos tecidos, possibilitando uma grande economia para as fábricas”, explica a empreendedora e designer Tyara Nascimento, que tem como sócio o marido, programador de computadores.
Não apenas no que propõe, mas na forma como cobra pelo serviço, Tyara também inova. O software é vendido como uma assinatura, que possibilita suporte, treinamento e acesso a cursos de modelagem. A empresa tem atualmente mais de 400 clientes no Brasil e no exterior, incluindo Nova Zelândia, Inglaterra, França e Portugal.
Leia também – Agreste Tex promete movimentar R$ 300 milhões em negócios