As dificuldades do setor serão tema do evento Varejo Vivo que acontece de forma híbrida no próximo dia 25, no Recife
Por Juliana Albuquerque
O varejo supermercadista vem ao longo das décadas passando por inúmeras transformações. Elas vão desde a migração do físico para o digital à adaptação aos novos modelos de negócios, como o atacarejo. Esse formato, importado dos Estados Unidos, chegou para ficar. Mas como isso impacta as redes de supermercados e hipermercados?
Exemplo mais recente no Brasil foi a aquisição das lojas da rede Extra pela gigante do segmento, o Assaí, que em uma operação bilionária – R$5,2 bilhões – adquiriu 71 pontos dos hipermercados Extra para implantar seu atacarejo.
A força desse modelo de lojas enormes, com variedades e preços diferenciado da maioria das lojas de rede, podem ser vistas em números. Em levantamento desenvolvido pela consultoria NielsenIQ encomendado pela Associação Brasileira de Atacadistas de Autosserviço (Abaas), mostra que enquanto o segmento de supermercados e hipermercados cresceu menos de 13% em 2020, o atacarejo saltou 26,2%.
Muito desse crescimento do segmento é diretamente relacionado à mudança do perfil de consumo na pandemia – com consumidores dando preferência a estocar produtos para evitar sair de casa. Além disso, comprando em volume maior, conseguem descontos nas mercadorias. Dados da Abaas apontam 860 mil famílias realizaram suas compras em atacarejo.
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De acordo com a avaliação do presidente da Associação Pernambucana de Supermercados (Apes), João Alves, desde o último ano, o consumidor vem perdendo seu poder de compra, o que contribuiu para uma mudança de comportamento na hora do abastecimento, com a busca mais voltada para a economia do que para a experiências de consumo.
“Consequentemente, o mercado também precisou se adaptar e cada vez mais vemos lojas no formato de atacarejo surgindo. Nossa visão é que o mercado tem espaço para os dois formatos, mas precisamos estar atentos a todas essas mudanças. As redes que operam nos dois formatos apresentaram crescimento no atacarejo, enquanto o varejo teve queda”, avalia Alves.
Para Paula Valéria, da SPV Eventos, que organiza no próximo dia 25, a 5ª edição Varejo Vivo, um evento híbrido (que será transmitido pelo canal do YouTube da @spveventos) que traz o tema como debate, os atacarejos estão eliminando os pequenos. “O fato é que essas grandes redes de atacarejo estão acabando com os mercados de bairro e atinge também as grandes redes supermercadistas e os atacadistas. Tem rede atacadista em Pernambuco com queda de cerca de 40% de faturamento. O que para o mercado consumidor pode parecer benéfico, visto que alguns itens encontrados nos atacarejos são mais baratos, o efeito maléfico para a cadeia produtiva é enorme”, comenta
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Segundo ela, o primeiro a sofrer o impacto da chegada dos atacarejos é o médio varejo e em seguida, os atacados. “O atacado termina perdendo poder de barganhar preço junto às indústrias porque elas deram o melhor preço para os atacarejos. Mais na frente, se isso continuar, as indústrias é que vão perder por ter mais de 50% de sua produção destinada à um único segmento, as chances de morrer também é de 50%”, prevê Valéria.
Líder de uma rede supermercadista na região da Mata Sul de Pernambuco, com cerca de dez lojas em funcionamento e mais duas para inaugurar em breve, o empresário Roberto Tenório é taxativo. “Como eu estou em uma região que ainda não tenho uma concorrência direta desses atacarejos que estão se instalando por todo Pernambuco, ainda não senti tão forte a queda em meu faturamento. Contudo, quando a gente não vê o faturamento crescer e os insumos aumentarem, isso acende um alerta de que algo não vai bem”, avalia Tenório, que já se preparou para a chegada desse modelo na região. “Eu abri recentemente uma loja da minha rede para vender em atacado, um tipo de atacarejo, com preços diferenciados para varejo e atacado, uma forma de conter a migração de compras já percebida de muitos moradores para as cidades mais próximas onde já é possível encontrar lojas de atacarejo no Estado”, comenta.
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Mas se há os que inovam ao antecipar algo que pode ser um caminho sem volta nessa mudança no perfil do setor supermercadista brasileiro, há também os que investem no modelo que já existe visando melhorar a experiência de consumo. Um exemplo é a rede Deskontão, com quatro unidades na capital pernambucana, que começou a partir da unidade da Imbiribeira a investir no segmento. “Cerca de 20% do faturamento do Grupo KarneKeijo, que controla a rede Deskontão, vem do nosso atacado. Então, resolvemos investir em uma reformulação de nossa estrutura, adicionando climatização e equipamentos de ponta para levar uma melhor experiência de consumo para os nossos clientes”, comenta o empresário Inácio Miranda, presidente do Grupo KarneKeijo, que investiu R$8 milhões no projeto de reforma da loja. Segundo ele, dentro dessa linha, até maio do próximo ano, as demais unidades da rede devem ganhar projeto similar.
Como driblar os desafios do setor
De acordo com as fontes ouvidas pela reportagem, o caminho para driblar a concorrência, muitas vezes desleal dos atacarejos, é os atacados e grandes redes locais se unirem. “É necessário seguir um formato de rede de compras na qual os supermercadistas se unem para barganhar junto aos fornecedores e indústrias os melhores preços, a exemplo do que ocorre na Paraíba, com a Rede Paraíba de Supermercados”, explica Paula Valéria.
Vale lembrar que em agosto de 2019, o empresário Flávio Borba deu o start a Rede Pernambuco de Supermercados. Segundo ele, atualmente, um total de 167 supermercados compõem a rede pernambucana. “Com a crise atual, o povo não escolhe marca, mas preço, por isso, esses atacarejos estão, graças a abertura do governo estadual para redes de fora do Estado, com incentivos fiscais, dominando o mercado. A única maneira de sobreviver é se unindo”, comenta Borba, que completa: “Para o varejo tradicional de bairro, resta melhorar os serviços, com entregas, aplicativos e atendimento diferenciados e compras coletivas. Temos que nos reinventar”, afirma o empresário, que para driblar a concorrência e fomentar a cadeia produtiva, lançou uma marca própria. “Agora estamos se unindo às indústrias locais e formando produtos marca própria 100% pernambucana, a Pernambuco, gerando renda e empregos para as indústrias e condições diferenciadas com produtos exclusivos para associados”, conta Borba. No mix atual da marca, já é possível conferir arroz, flocão de milho, feijão, tapioca, lava-roupa, papel higiênico e café.