
ORLÂNDIA (SP) – A aviação agrícola brasileira tem registrado um crescimento acelerado. Entre 2007 e 2024, a frota praticamente dobrou, passando de 1.300 para 2.722 aeronaves, com uma expansão de 42% na última década. O país possui a segunda maior frota mundial, atrás apenas dos Estados Unidos. No entanto, essa evolução ocorreu de forma concentrada no Centro-Oeste e no Sul, enquanto o Nordeste ainda enfrenta desafios para ampliar sua adoção.
Na região nordestina, o avanço da aviação agrícola segue um ritmo desigual. Os estados que integram a área do Matopiba (Maranhão, Piauí e Bahia) lideram o uso da tecnologia para culturas como soja, milho e algodão. Já nos estados voltados à cana-de-açúcar, como Alagoas, Pernambuco e Paraíba, a adesão ainda é baixa, diferentemente de São Paulo, onde a pulverização aérea é amplamente utilizada no setor sucroenergético.
Atualmente, o Nordeste conta com 293 aeronaves distribuídas em seis estados, com exceção do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. No caso do Ceará, a ausência de aeronaves agrícolas e drones é resultado de uma decisão governamental.
Em 2018, a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou, em uma sessão extraordinária de fim de ano, a proibição da pulverização aérea no estado. Durante seis anos, qualquer método de aplicação aérea, incluindo produtos biológicos, ficou vetado.
Proibição da aviação no Ceará
Esse cenário impactou diretamente a produção de banana, uma das principais culturas do estado, gerando perdas econômicas e aumento da necessidade de mão de obra para compensar a falta da tecnologia. No fim de 2024, o Ceará voltou a permitir a pulverização por drones, mas a aviação agrícola convencional segue proibida.
O caso do Ceará exemplifica as dificuldades enfrentadas pelo setor para operar no Nordeste. Além das restrições regulatórias, há forte pressão de movimentos contrários ao uso da aviação agrícola, o que levou muitas empresas a deixarem a região. Funcionários relataram hostilidades e a insegurança jurídica afastou investimentos.
Para debater o futuro do setor e fomentar a diversificação da aviação agrícola no Nordeste, será realizado, no dia 8 de maio, um evento em Petrolina (PE), reunindo produtores e empresários para discutir estratégias de expansão.
Atividade mais presente no Matopiba
O número total de aeronaves no Nordeste é pequeno quando comparado ao Mato Grosso, que lidera o país com 749 aviões, seguido por Rio Grande do Sul (385), São Paulo (320) e Goiás (307). Na região, a Bahia lidera com 173 aeronaves, seguida pelo Maranhão (63), Piauí (41), Alagoas (14), Pernambuco (5) e Sergipe (1).
“O Nordeste tem grande potencial para expandir a aviação agrícola, especialmente na cana-de-açúcar e no combate a incêndios. Mas, ao contrário de São Paulo e do Centro-Oeste, a tecnologia ainda não se consolidou na região sucroenergética”, afirma Thiago Magalhães, vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag).

Quase 90% das aeronaves no Nordeste são impulsionadas pela expansão da soja, do milho e do algodão. O Maranhão e o Piauí têm aumentado suas frotas devido à demanda por pulverizações ágeis e eficientes nas culturas de ciclo curto. Já a Bahia, que concentra a maior parte da frota regional, segue um modelo produtivo semelhante ao do Mato Grosso.
“A aviação agrícola tornou-se essencial na fronteira agrícola do Matopiba, especialmente no algodão, que exige aplicações constantes para o controle de pragas como o bicudo”, explica Magalhães, que está à frente da Tangará Aeroagrícola, empresa fundada pelo pai em 1986, com sede atual em Orlândia, interior de São Paulo. Como dirigente classista e empresário, ele busca desmistificar a ideia de que a aviação agrícola é uma atividade poluente.
Perspectivas para o setor sucroalcooleiro
O potencial para o crescimento da aviação agrícola no Nordeste é expressivo, tanto na cana-de-açúcar quanto em outras culturas. A chegada de novas tecnologias, como aeronaves autônomas e elétricas, pode tornar o serviço mais acessível para pequenos e médios produtores.
“A aviação agrícola do futuro será mais acessível e sustentável. O Nordeste precisa se preparar para essa transformação, garantindo que seus produtores tenham acesso a tecnologias que aumentem a eficiência da produção e reduzam impactos ambientais”, acredita Thiago Magalhães.

Estados tradicionalmente ligados à produção de cana, como Alagoas e Pernambuco, ainda possuem baixa adesão à pulverização aérea. Enquanto São Paulo conta com mais de 500 aeronaves voltadas ao setor sucroenergético, Alagoas registra apenas 14 aviões, e Pernambuco, 5. Essa diferença pode comprometer a competitividade da produção regional, segundo Magalhães.
A tecnologia aérea pode oferecer ganhos significativos à cultura da cana, reduzindo a compactação do solo e permitindo aplicações mais homogêneas. Em São Paulo, a pulverização aérea já é utilizada para até cinco aplicações por safra, enquanto no Nordeste o processo ainda depende majoritariamente de tratores e drones.
Drones
“Hoje, os drones têm ocupado um espaço complementar à aviação agrícola. Em áreas sensíveis, como bordaduras e terrenos irregulares, eles são mais precisos, enquanto os aviões cobrem grandes extensões de forma rápida e eficiente”, explica Magalhães.
O avanço da aviação agrícola no Nordeste depende de uma maior estruturação do setor e de políticas que incentivem o acesso à tecnologia. O desafio agora é integrar soluções que tornem a pulverização aérea uma ferramenta viável para produtores de diferentes portes e culturas.
O crescimento do setor também está ligado à redução dos custos operacionais, tornando a tecnologia mais acessível para diferentes perfis de produtores. No Brasil, o Ipanema EMB-203, da Embraer, é a única aeronave agrícola nacional e custa cerca de R$ 4 milhões. Já modelos importados, como o Air Tractor AT-502B, podem ultrapassar US$ 1,5 milhão.
A evolução tecnológica trouxe novas opções, como o Pelican Spray, um avião autônomo elétrico da empresa californiana Pyka Inc., capaz de transportar até 300 litros de produto. O modelo está sendo comercializado por US$ 550 mil. Paralelamente, os drones agrícolas vêm ganhando espaço, principalmente em pequenas áreas, com preços entre R$ 250 mil e R$ 300 mil.
Apesar do menor custo inicial, os drones ainda enfrentam desafios operacionais. Um avião pulverizador cobre 450 hectares por hora, enquanto um drone alcança apenas 8 a 10 hectares por hora. Isso significa que, para substituir um único avião, seriam necessários mais de 150 drones operando simultaneamente, além de uma grande equipe de operadores.
“O avião ainda é mais eficiente para grandes áreas e culturas de alto rendimento, enquanto o drone complementa o serviço em bordaduras e regiões de difícil acesso”, explica Gabriel Colle diretor executivo do Sindag.

O Brasil já possui 8 mil drones agrícolas registrados, mas estimativas do setor indicam que esse número pode ser de até 25 mil unidades em operação.
Formação e remuneração dos pilotos
O crescimento da aviação agrícola no Brasil também tem impulsionado a demanda por pilotos especializados. A formação de um piloto agrícola leva em média dois anos e exige treinamento específico para operações de pulverização aérea.
Atualmente, o Brasil conta com três principais centros de treinamento: um em Porto Alegre (RS), um em Ponta Grossa (PR) e outro em Catanduva (SP). Esses centros são responsáveis por capacitar novos profissionais para atender à crescente demanda do setor.
Os salários dos pilotos variam de acordo com experiência e tipo de operação. Em média, um piloto agrícola no Brasil ganha entre R$ 40 mil e R$ 50 mil por safra, podendo ultrapassar R$ 400 mil anuais quando considerados os ganhos com participação nos lucros.
A falta de mão de obra qualificada tem levado as empresas a investirem cada vez mais em capacitação e retenção de talentos, garantindo a segurança e eficiência das operações aéreas no setor agrícola.
Diferença dos mercados brasileiro e norte-americano
O Brasil fechou 2024 com 2.722 aeronaves agrícolas, um crescimento de 7,21% no ano, o maior desde 2012. A importação de aeronaves aumentou 10,31%, enquanto a frota nacional teve uma recuperação de 4,46%.
Do total de aeronaves registradas no país, 1.648 pertencem a empresas do setor, 1.054 estão em fazendas, cooperativas e usinas, e 20 são operadas por órgãos públicos e instituições de ensino.
A frota brasileira só é menor que a dos Estados Unidos, que conta com cerca de 3.600 aeronaves. No entanto, o volume de operações no Brasil já supera o norte-americano devido às condições climáticas favoráveis e ao plantio contínuo ao longo do ano.
Nos Estados Unidos, a aviação agrícola é limitada a três ou quatro meses em muitas regiões, dependendo das estações do ano. No Brasil, a diversidade de culturas permite que as aeronaves operem continuamente, aumentando a eficiência e impulsionando a demanda pelo serviço.
“Os EUA têm uma frota maior, mas com uma sazonalidade muito mais curta. No Brasil, a agricultura se expandiu em regiões tropicais, onde o plantio e a colheita ocorrem o ano inteiro, tornando a aviação agrícola essencial”, explica Gabriel Colle.
Outro fator que diferencia os dois mercados é a predominância de aeronaves de maior porte no Brasil. Nos EUA, a frota é composta principalmente por pequenos operadores, enquanto no Brasil, grandes grupos agrícolas e empresas especializadas dominam o setor.
“O Brasil já recebe cerca de 70% da produção anual das grandes fabricantes de aeronaves agrícolas dos EUA, como a Air Tractor. Isso mostra como o setor está aquecido e com demanda crescente”, destaca Colle.
Além disso, a regulação brasileira impõe regras rigorosas de fiscalização e controle ambiental, o que contribui para a profissionalização do setor. “A legislação brasileira é uma das mais exigentes do mundo, garantindo um mercado sólido, com certificações obrigatórias que reforçam a segurança das aplicações”, avalia Magalhães.
A entrevista com os representantes do Sindag ocorreu durante encontro com jornalistas de 14 estados em Orlândia, no interior de São Paulo. O evento fez parte do Road Show promovido pela Texto Comunicação em que o Movimento Econômico acompanha como único veículo de comunicação do Nordeste.
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