Nelson Bezerra é um empreendedor nato. Em menos de duas décadas saltou da condição de dono de box em um mercado público na periferia do Recife para dono de um dos maiores frigoríficos do Brasil. Ele é o fundador da Masterboi, empresa cuja direção divide com a irmã, Guilhermina Bezerra. Seu olhar enxerga muito além do que a maioria das pessoas alcançam. E agora, esse olhar de Nelson está mais uma vez além do horizonte. O foco são os milhares de hectares cultivados com cana-de-açúcar no Nordeste.
Entre a folhagem dos canaviais que cobrem as colinas da região, Nelson Bezerra está enxergando rebanhos de gado. Ele vê o animal espalhado pela topografia acidentada, onde as máquinas não alcançam e onde a mão de obra tem ficado cada vez mais escassa. Mas ele também aposta no gado confinado.
Instigado por essa visão, há poucos dias, o fundador da Masterboi reuniu um grupo de usineiros e criadores de gado para uma viagem. No avião, empresários do setor do sucroenergético como Eduardo Monteiro, presidente do Grupo EQM, que detém as usinas Cucaú (PE), Utinga Leão (AL) e Estivas (RN); Alexandre Meirelles (União e Indústria); e o presidente do Sindaçúcar-PE, Renato Cunha. No grupo também havia pecuaristas como Beto Coutinho e Ricardo Pessoa de Queiroz. O destino: a usina Jalles Machado, em Goiás. O objetivo: conhecer a exitosa combinação de produção sucroenergética com gado confinado.
“O confinamento é mais uma alternativa de receita para essas propriedades. E tem funcionado bem em algumas usinas, porque os empresários já dispõe de matéria-prima para a ração animal, máquinas e mão de obra”, assegura Nelson Bezerra.
Como a topografia de algumas propriedades cultivadas com cana, principalmente em Pernambuco, dificulta a colheita, há áreas que acabam ociosas. Mas tem outro problema, a crescente escassez de mão de obra de canavieiros. “As usinas fazem safra, mas não tiram a safra no tempo desejado porque a mão de obra para o corte é insuficiente, faltam trabalhadores, isso acaba prolongando a moagem, aumentando custos”, conta Eduardo Monteiro, presidente do Grupo EQM.
Há dois fatores para isso: Por um lado, os programas sociais avançaram muito e alcançaram as famílias dos canavieiros, o que tirou muita gente dessa atividade. O outro problema é a reduzida renovação na atividade do corte da cana. Muitos trabalhadores têm desestimulado os filhos a seguirem na profissão.
Nelson Bezerra compreendeu todos esses fatores e mostrou aos usineiros que a pecuária pode ser uma fonte de receita de baixo custo nas propriedades, já que essas unidades possuem praticamente tudo necessário à atividade. A vista a Jalles Machado comprovou que o confinamento tende a ser ainda mais vantajoso que a pecuária extensiva.
“Na usina localizada em Goianésia (GO), que tem confinamento desde 1972, entendemos a vantagem de criar gado próximo à área de cultivo da cana, porque ela oferece a ‘marmita” que o gado precisa para seu desenvolvimento, como bagaço de cana hidrolisado, levedura seca e até a própria cana fresca”, explica Eduardo Monteiro.
Gado e etanol de milho
“Algumas usinas no Sul do Brasil diversificam, agregando a técnica do confinamento em suas atividades, fazendo com que haja convívio benéfico entre cana e pecuária”, ressalta Renato Cunha, presidente do Sindaçúcar-PE. Ele acrescenta que a pecuária extensiva, na qual o gado é criado solto, tem uma maturação mais lenta, enquanto o confinamento proposto por Nelson Bezerra com esse tipo de alimentação – que usa matéria-prima proveniente da própria cultura da cana -, acelera o crescimento e ganho de peso do gado. “O confinamento é adequado até para usinas que produzem etanol de milho”, ressalta.
Estudo da Embrapa de Santa Catarina, assinado pelos pesquisadores Dirceu João Duarte Talamini, Gerson Neudi Scheuermann, Teresinha Marisa Bertol, e Jorge Vitor Ludke, apontou que o etanol de milho gera DDGS (Dried Distillers Grains with Solubles ou Grãos Secos de Destilaria com Solúveis) e DDG (Dried Distillers Grains – Grãos Secos de Destilaria), coprodutos com potencial de uso na alimentação animal. De acordo com as projeções, é possível estimar que 1 tonelada de milho resulta em 420 litros de etanol, 18 litros de óleo de milho e 300 kg de DDGS.
Mas há uma retroalimentação das atividades. Se as sobras da produção de açúcar e álcool podem servir de alimento para o gado, o esterco dos animais vira matéria orgânica para adubar canaviais.
A expansão da cultura da pecuária na região é importante para o dono da Masterboi. Um de seus três frigoríficos está implantado na cidade de Canhotinho, no Agreste pernambucano. A unidade vai complementar dois anos no dia 15 de agosto e já superou a meta de abate diário projetada para o período. Atualmente, são abatidos diariamente 478 cabeças de gado, contra as 400 estabelecidas inicialmente.
Desde a inauguração da unidade em Canhotinho, Nelson Bezerra tem feito um trabalho meticuloso na região, visitando propriedades e estimulando os investimentos nos rebanhos. Conseguiu convencer muitos criadores que haviam abandonado a atividade depois da última grande seca. Ele tem visitado pessoalmente as propriedades para explicar que tem poder de compra, o que garante certeza de lucro aos criadores.
Mas Nelson Bezerra faz exigências: só compra animais que atendam aos seus critérios estabelecidos dentro das normas do ESG. Portanto, animais criados em terras desmatadas, quilombolas ou indígenas, por exemplo, são recusados pela Masteboi. A empresa adotou a rastreabilidade dos rebanhos, garantindo ao consumidor final que cumpre sua palavra. Assim, qualquer um pode saber a origem do gado que está consumindo.
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