
Pedro de Menezes Carvalho[1]
Recentemente, muitos amigos e conhecidos me perguntaram sobre o que é o Bitcoin e pediram uma explicação simples. Acredito que esse interesse surgiu após a publicação de alguns artigos meus sobre o tema. Então, comecei a pensar em como traduzir esse universo das criptomoedas para quem não tem familiaridade com o assunto. Fiz um teste: tentei explicar para meu filho de 5 anos e para minha mãe de 70. Acho que consegui… ou pelo menos quase! Com isso em mente, este texto tem o objetivo de apresentar o mundo das criptomoedas de forma clara e acessível.
O Bitcoin apareceu em 2008, em meio a uma crise financeira global, e no começo muita gente duvidava dele. Ele foi criado por uma pessoa ou um grupo que usou o nome Satoshi Nakamoto, mas ninguém sabe exatamente quem está por trás disso. O que eles fizeram foi desenvolver um sistema digital inovador, chamado blockchain, que permite a criação e o funcionamento do Bitcoin. Esse sistema permite que pessoas enviem e recebam dinheiro de forma direta, sem precisar de bancos ou intermediários, tornando as transações mais rápidas, seguras e acessíveis para qualquer pessoa no mundo.
Imagine que você está no colégio e, em vez de usar dinheiro para comprar um lanche na cantina, a escola criou um sistema de fichas. Cada ficha equivale a um determinado valor e pode ser trocada por alimentos dentro da cantina. Inicialmente, essas fichas só têm valor dentro da escola, pois não são aceitas em nenhum outro lugar. Mas suponha que um vendedor ambulante na porta do colégio comece a aceitar essas fichas como pagamento pelos seus produtos. Depois, a padaria da esquina percebe que muitos alunos têm essas fichas e decide aceitá-las também. De repente, as fichas da cantina passam a ter um valor muito maior do que antes, pois agora podem ser usadas não apenas na escola, mas também em outros estabelecimentos.
Essa lógica nos ajuda a entender o Bitcoin. A criptomoeda é um ativo digital que, assim como as fichas da cantina, ganha valor à medida que mais pessoas e empresas começam a aceitá-lo como meio de troca ou começam a realizar operação de compra e venda da moeda. Diferente do dinheiro tradicional, que é impresso e controlado por um banco central, o Bitcoin não pertence a nenhum governo ou instituição. Seu valor não está atrelado a uma moeda específica, mas sim à confiança das pessoas que o utilizam e ao número de lugares onde ele pode ser usado. Uma observação é necessária, existem algumas criptomoedas (as stablecoins) que tem o seu valor atrelado a alguns ativos, como o dólar, ouro, por exemplo.
Voltando ao exemplo da cantina, em um cenário tradicional, os alunos pagariam em dinheiro ou com cartão, o que envolve a necessidade de troco, maquininhas de cartão e taxas cobradas pelos bancos. Se um aluno quiser comprar um lanche de R$ 10 no cartão de crédito, a operadora da máquina pode cobrar uma taxa de até 5%, reduzindo o valor recebido pelo dono da cantina. Além disso, o pagamento com cartão pode demorar dias para cair na conta do comerciante, impactando o fluxo de caixa e a organização financeira.
Agora, pense no mesmo aluno pagando com Bitcoin. Ele escaneia um QR Code gerado pela cantina e, em poucos segundos, o pagamento é realizado diretamente na carteira virtual do proprietário. O dono da cantina recebe o valor integral da compra diretamente em sua carteira digital, sem burocracias. Se essa cantina fosse localizada em outro país, o processo continuaria o mesmo, sem precisar de conversão cambial ou taxas adicionais de bancos internacionais (as criptomoedas começas a ser utilizadas para operações de câmbio nas transações internacionais). Esse exemplo simples ilustra os benefícios do Bitcoin no dia a dia: rapidez, eficiência e eliminação de intermediários
O funcionamento do Bitcoin se baseia em uma tecnologia chamada blockchain, que pode ser comparada a um grande livro de registros digital onde todas as transações são anotadas de forma transparente e segura. Imagine que, ao comprar um lanche com uma ficha da cantina, um funcionário anote essa transação em um caderno, garantindo que aquela ficha não possa ser usada novamente. No caso do Bitcoin, esse “caderno de registros” está distribuído por milhares de computadores ao redor do mundo, tornando quase impossível qualquer tipo de fraude.
Outra característica do Bitcoin é que ele não pode ser criado à vontade, como acontece com o dinheiro tradicional. Para entender isso, pense novamente nas fichas da cantina. Se a escola decidir distribuir fichas sem controle, a cantina pode ficar sobrecarregada, e a ficha perderia seu valor. No Bitcoin, esse problema é evitado porque novas moedas são criadas por um processo chamado mineração, no qual computadores especializados resolvem cálculos matemáticos complexos para validar transações. Como recompensa por esse trabalho, novos Bitcoins são gerados e distribuídos para os mineradores, mas essa quantidade é limitada. Isso significa que, ao contrário do dinheiro impresso pelos governos, o Bitcoin tem um suprimento finito, tornando-o um ativo escasso e, portanto, valioso.
Com o tempo, o Bitcoin começou a ser aceito em diversos lugares, assim como aconteceu com as fichas da cantina no exemplo anterior. Hoje, já é possível pagar viagens, hospedagens, eletrônicos e até mesmo imóveis usando essa moeda digital. Além disso, muitas pessoas enxergam o Bitcoin como uma forma de investimento, esperando que seu valor aumente ao longo do tempo. No entanto, é importante lembrar que o preço do Bitcoin pode oscilar bastante, pois ele depende da oferta e da demanda do mercado.
Para usar Bitcoin, é necessário ter uma carteira digital, que pode ser um aplicativo no celular, um software no computador ou até mesmo um dispositivo físico. Essa carteira funciona como um cofre digital onde você guarda suas moedas. Cada carteira tem um endereço público, que pode ser comparado ao número de uma conta bancária, e uma chave privada, que é como a senha que permite acessar os Bitcoins. Como não há um banco para recuperar seus fundos caso você perca sua chave privada, a segurança dessa informação é essencial.
O Bitcoin e as demais criptomoedas continuam a crescer e a se consolidar como uma alternativa ao dinheiro tradicional. Ele representa um novo conceito de economia digital, onde o valor de um ativo não é imposto por uma autoridade central, mas sim construído pela aceitação e confiança das pessoas. Assim como a ficha da cantina que começou a ser aceita fora da escola, o Bitcoin prova que o dinheiro pode existir de forma independente dos bancos e governos, tornando-se uma peça fundamental na revolução financeira do século XXI.
[1] Pedro de Menezes Carvalho é advogado e professor universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especialista em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Advogado na área de Regulação, Negócios, Energia e Financeira. Experiência destacada na docência na UNICAP, IBMEC e PUCMinas.
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