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Fazenda de Olinda projeta aumento de 650% na produção de cannabis medicinal

A primeira fazenda urbana de Cannabis do país, localizada em Olinda, Pernambuco, produz 2 mil frascos de óleo de cannabis por mês
A Aliança Medicinal produz óleos com concentrações diferentes de cannabis; os medicamentos custam a partir de R$ 150
A Aliança Medicinal produz óleos com concentrações diferentes de cannabis: os medicamentos custam a partir de R$ 150 / Foto: Raianne Romão/Movimento Econômico

Primeira fazenda urbana de cannabis medicinal do país, a Aliança Medicinal prevê um crescimento de 650% até 2027 na sua produção de óleos extraídos do chamado cânhamo industrial, variação da planta da maconha que não tem efeitos psicoativos. Situada em Olinda, a entidade sem fins lucrativos produz atualmente dois mil frascos com diferentes concentrações — 1,5%, 3% e 6% — de canabidiol (CBD) e do tetra-hidrocanabinol (THC), substâncias químicas que são utilizadas por nove mil pacientes cadastrados em todo o Brasil para alívio de dores crônicas, redução de náuseas, vômitos e convulsões, além da estabilização de condições neurodegenerativas. A meta é chegar em 15 mil envases por ano, aproveitando a regulamentação deste tipo de produto e um mercado crescente que deve movimentar R$ 1 bilhão somente neste ano.

É em um galpão no bairro de Vila Popular que estão instalados dez contêineres climatizados com estufas e um laboratório que faz a extração do óleo da Cannabis sativa que é cultivada por um período de cerca de quatro meses. A meta é chegar a 36 contêineres até o final de 2026. Mais uma conquista para uma entidade que somente em março de 2023 conseguiu autorização na justiça para produzir o medicamento, que só pode ser disponibilizado para quem é associado. Aliança Medicinal segue as recomendações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e foi beneficiada com a aprovação na Assembleia Legislativa de Pernambuco, em novembro de 2024, da Política Estadual para distribuição dos medicamentos derivados da cannabis pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Um frasco com concentração de 1,5% de canabidiol (CBD) costuma durar cerca de um mês para um paciente que segue as orientações de dosagem médica. Já um frasco com concentração de 6% pode durar até três meses, uma vez que contém maior quantidade de princípio ativo por mililitro, reduzindo a necessidade de reposições frequentes. Os medicamentos custam a partir de R$ 150. As diferentes concentrações de CBD e do tetra-hidrocanabinol (THC), substâncias químicas da Cannabis sativa, que determinam a frequência de uso e o tempo de duração do frasco.

A perspectiva é que, com maior volume e investimentos, o impacto financeiro seja minimizado, enquanto a qualidade de vida dos pacientes é melhorada. “O custo de um tratamento à base de óleo de cannabis gira em torno de R$ 200 a R$ 300 por mês, inferior ao de um internamento ou atendimento de emergência. Acredito que a regulamentação vai viabilizar e desafogar o sistema público de saúde”, destacou o engenheiro agrônomo Ricardo Hazin Asfora, que é o diretor executivo da associação.

“Eu me sinto muito feliz e com muito orgulho. Meu filho foi a primeira cobaia e, após fazer uso do óleo da cannabis, teve uma melhora significativa. Ele convulsionava quase 80 vezes por dia e atualmente tem o quadro de uma convulsão por mês. Com a melhora dele, vi a possibilidade de ajudar outras famílias. Hoje nós temos 9 mil associados”, comenta Hélida Lacerda, presidente da Aliança Medicinal.

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“O medo de perder meu filho era maior do que o medo de ser presa”, relata Hélida, que, diante das dificuldades financeiras para adquirir o óleo medicinal à base de Cannabis, decidiu cultivar a planta em casa e produzir o óleo de forma artesanal. Na época, o diagnóstico da criança indicava apenas mais um ano de vida. Hoje, aos 21 anos, ele vive uma rotina significativamente melhor, conseguindo passar quase dois meses sem crises.

Com o sucesso do tratamento do filho, Hélida começou a compartilhar seu conhecimento com outras mães que enfrentavam desafios semelhantes. Em 2018, conquistou um habeas corpus para cultivar e produzir o óleo exclusivamente para seu filho. Dois anos depois, a ideia ganhou força com a criação de uma associação que uniu mães de crianças em situações parecidas.

Finalmente, em 2023, a iniciativa recebeu autorização judicial para expandir a produção em Olinda, consolidando-se como a Aliança Medicinal, um projeto que oferece esperança e acesso ao tratamento para muitas famílias.

A ativista pela causa e hoje empresária conta que a entidade possui uma cota para pessoas que possuem prescrição médica pegarem o medicamento de forma gratuita: “Nosso atendimento é online. Através do site, as pessoas podem solicitar o óleo da cannabis gratuitamente desde que tenham uma prescrição médica. Se conseguir, é só pegar na fábrica”.

Em 2024, o tratamento com cannabis medicinal para controle de sintomas de doenças e transtornos de saúde beneficiou 672 mil pacientes brasileiros, um aumento de 56% em relação ao ano anterior, um recorde que reflete o crescimento da demanda por terapias alternativas, segundo o anuário produzido pela Kaya Mind.

Processo de desenvolvimento do óleo de cannabis

Na fase vegetativa, o objetivo é desenvolver caules, folhas e estrutura aérea; o processo leva aproximadamente 25 dias.
Na fase em que se encontra ‘berçário’, o objetivo é desenvolver caules, folhas e estrutura aérea das plantas; o processo leva aproximadamente 25 dias. / Foto: Raianne Romão

Em uma área total de mil metros quadrados, as instalações da Aliança Medicinal abrigam o laboratório e os 10 contêineres, que são divididos em “berçários” e “desenvolvimento”. Nos “berçários”, as mudas ficam abrigadas por aproximadamente 25 dias para desenvolver caule, folhas e estrutura aérea, além de padronizar o desenvolvimento fenotípico, replicando características específicas da genética da planta. Já no “desenvolvimento”, a planta, já adulta, enfrenta o processo de secagem, criando um ambiente ideal para que desidrate e seque adequadamente. Esta segunda etapa dura em torno de três meses.

É nesta fase vegetativa que a cannabis desenvolve caules, folhas e estrutura aérea. Nesse ciclo, a planta é preparada para suportar o peso das flores e consiga produzir uma maior quantidade de fitocanabinoides, os compostos químicos necessários para a produção de medicamentos.

“No nosso cultivo em províncias, buscamos as melhores condições para a planta, com controle, automatização e replicabilidade de lotes. Quando utilizamos a genética específica da nossa planta e a colocamos no mesmo ambiente, conseguimos padronizar o fenótipo. Padronizando esse fenótipo, obtemos estabilização e replicabilidade das substâncias, algo essencial para que os profissionais de saúde utilizem essa ferramenta”, explica Ricardo Asfora.

O engenheiro agrônomo ressalta que a fábrica conta com sistema de exaustão que permite a troca de ar de forma otimizada, garantindo os melhores níveis de gás carbônico para otimizar o processo fotossintético. “Também contamos com um sistema de controle de umidade, que simula a umidade ideal para o desenvolvimento da planta em cada fase”, conta.

Há, ainda, um sistema de circulação de ar, que mistura as moléculas geradas na troca promovida pelo sistema de exaustão, e um sistema de controle de temperatura, que ajusta o nível de temperatura conforme as necessidades da planta. Na própria unidade de cultivo é realizado o processo de secagem, criando um ambiente ideal para que a planta desidrate e seque adequadamente.

A cannabis, já adulta, enfrenta o processo de secagem, criando um ambiente ideal para que desidrate e seque adequadamente
A cannabis, já adulta, passa pelo processo de desidratação, criando um ambiente ideal para que seque adequadamente. Foto: Raianne Romão/Movimento Econômico

Após esse processo, os lotes são identificados e seguem para a etapa laboratorial. A solução obtida segue para o rotaevaporador, onde ocorre a separação do soluto e do solvente. Depois de um período de quarentena e a realização da análise, o material segue para o processo de diluição em base. Nesse momento, o fármaco ativo vegetal (extrato) é transformado em medicamento, ajustano à proporção necessária para os produtos farmacêuticos” da Aliança Medicinal.

“É fundamental expandirmos nossa capacidade de produção para atender às necessidades do mercado. Atualmente, contamos com 10 contêineres operando, mas nosso planejamento prevê a ampliação para 36 até ano que vem, o que nos permitirá otimizar a produtividade e garantir um fornecimento mais robusto para os consumidores”, defende Asfora. A entidade conta hoje com 40 colaboradores e mais um grupo de prestadores de serviço.

Distribuição gratuita dos medicamento à base de Cannabis é aprovada pela Alepe

Em novembro de 2024, a Assembleia Legislativa de Pernambuco aprovou, por unanimidade, a Lei Nº 18.757, que garante a distribuição gratuita dos medicamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No começo de dezembro, o presidente da Alepe, Álvaro Porto (PSDB), oficializou a Política Estadual de Fornecimento de Remédios e Produtos Derivados de Cannabis, proposta pelo deputado João Paulo (PT) em parceria com Luciano Duque (Solidariedade).

Dessa forma, a lei assegura a distribuição para tratar de problemas de saúde, desde que sejam prescritos por um profissional de saúde legalmente habilitado, titulado como ‘prescritor’, e dentro de regras estabelecidas pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além disso, a legislação garante o incentivo a pesquisas científicas relacionadas ao uso da cannabis para fins medicinais.

“O apoio dessas associações têm sido fundamentais para a construção desse projeto e para garantir que cada vez mais, famílias pernambucanas sejam acolhidas e respeitadas em suas necessidades de saúde” comentou o deputado e coordenador da Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial, João Paulo (PT), na sessão de aprovação da lei na Alepe, em novembro do último ano.

A legislação agora aguarda regulamentação pelo governo do Estado para ser implementada. “Com essa regulamentação, teremos uma legislação mais clara e eficaz. Desde março de 2023 que temos a aprovação para a associação produzir o medicamento. A partir disso, conseguimos sistematizar o trabalho, entrar no sistema formal, apresentar dados sobre o que está sendo feito, como funciona e quais são os resultados. Isso nos permitiu obter o apoio de alguns políticos interessados em melhorar a qualidade de vida da população”, destaca Asfora.

Mercado da cannabis medicinal bate recorde em 2024

O contexto nacional também reforça a relevância do setor. Desde dezembro de 2023, 15 estados já haviam aprovado o uso da Cannabis medicinal, tais como Rio de Janeiro, São Paulo, Piauí, Rio Grande do Norte, e Alagoas. São Paulo, por exemplo, começou a distribuir gratuitamente as medicações em farmácias estaduais do estado em junho de 2024, um ano após a aprovação da lei estadual nº 17.618.

Nesse panorama, o Brasil alcançou um número recorde de 672 mil pacientes tratados com medicamentos derivados da planta em 2024, um aumento de 56% em relação ao ano anterior. O segmento movimentou R$ 853 milhões em 2024, crescimento de 22% em comparação a 2023, com projeções apontando para um faturamento de R$ 1 bilhão em 2025.

O acesso ao tratamento adequado com cannabis medicinal pode trazer impactos significativos para o sistema de saúde pública. Segundo a médica Rafaela Espósito, a falta de controle de crises, como as epiléticas, sobrecarrega emergências e internações, enquanto o uso contínuo e preventivo da cannabis tem mostrado resultados promissores.

“Nos últimos anos, a ciência tem avançado em estudos que comprovam e ampliam o conhecimento sobre os benefícios da cannabis, especialmente no que diz respeito à ativação do sistema endocanabinoide”, afirma a profisional da saúde, destacando que o sistema possui uma rede de receptores presente em todo o corpo humano, regulando funções essenciais como sono, humor, apetite e resposta à dor.

Rafaela também chama atenção para o uso preventivo do óleo, seja para melhorar o desempenho esportivo, prevenir problemas de memória ou até auxiliar pacientes com histórico familiar de Alzheimer e resistência insulínica. “A cannabis, ao combater processos inflamatórios, pode beneficiar condições como diabetes, que é uma doença inflamatória, e hipertensão arterial sistêmica”, comenta.

Leia mais: Cannabis medicinal pode movimentar US$ 1,5 bi até 2028

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