Entre 2013 e 2023, 3,3 milhões de nordestinos saíram da linha de pobreza. Podemos olhar para os dados e escolher se vemos o copo meio cheio ou meio vazio. Mas o que não podemos é deixar de olhar para esses números. Primeiro porque eles indicam que o Nordeste, apesar de ter reduzido o contingente de habitantes que estão na linha de pobreza – copo meio cheio -, continua concentrando a maior proporção de pessoas em extrema pobreza do País – copo meio vazio. Segundo, porque é intolerável que gestores públicos não se mobilizem para reverter esse triste quadro.
Esses números, que têm como base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), ganharam maior visibilidade depois que os economistas Flávio Ataliba Barreto, João Mário Santos de França e Vitor Hugo Miro publicaram artigos sobre o tema no blog da FGV IBRE, recentemente. No texto “3,3 milhões de nordestinos saem da pobreza entre 2012 a 2023”, eles ressaltaram que a redução no número de pessoas em condição de pobreza ocorreu mesmo depois de todos os choques econômicos e da pandemia.
Ainda assim, o Nordeste continua registrando 47,4% dos pobres do Brasil. Mas tem um dado ainda pior: a região segue concentrando a maior proporção de pessoas em extrema pobreza. Em 2023, o índice de pobreza extrema foi estimado em 9%, equivalente a pouco mais de 5,6 milhões de pessoas.
Essa medição se apoia nas linhas de pobreza recomendadas pelo Banco Mundial. Assim, pobres são famílias que vivem com rendimentos inferiores a US$ 6,85/ dia, valor ajustado para o ano de 2023 como sendo próximo de R$ 667/ mês. Já os que estão em extrema pobreza vivem com renda inferior a US$ 2,15/ dia (aproximadamente R$ 209/ mês).
Brasil x NE
Em 2023, o Brasil tinha 60,4 milhões de pobres, o que corresponde a 28% de sua população. Este foi o menor índice de pobreza desde 2012. Em 2021, foi registrado o maior valor da série, com estimados 78,3 milhões de pessoas (36,9%), “resultado direto do cenário conjuntural estabelecido durante a pandemia de Covid-19”. No ano seguinte, houve uma redução nos números, com 67,9 milhões de pessoas (31,7%) de pessoas em situação de pobreza. Assim, entre 2021 e 2023, percebe-se que 17,9 milhões de pessoas saíram da situação de pobreza.
Mas, é importante registrar que dos 60,4 milhões de brasileiros em situação de pobreza em 2023, 47,4% estão no Nordeste. Isso corresponde a 27,5 milhões de habitantes. “Para termos uma ideia melhor dos níveis de disparidades regionais ainda existentes no País, esse valor no Nordeste em 2023 é 3,2 vezes maior do que o índice estimado para a região Sul, que foi de 14,9% no mesmo ano”, comparam os pesquisadores. Eles também ressaltam que a região foi a que deteve, entre 2012 e 2023, os maiores percentuais de pobres, ficando em geral acima de 50%.
Os 3,3 milhões de pessoas que deixaram a situação de pobreza representam uma redução em números absolutos, mas o maior avanço foi registrado no Norte do Brasil, com recuo de 11,6 pontos percentuais contra 8,9 p.p. do Nordeste.
Pobreza extrema
Importante se debruçar sobre a pobreza extrema, que alcançou 4,4% da população brasileira em 2023, o que corresponde cerca de 9,5 milhões de pessoas. Isso representa um contingente populacional maior do que a população de 21 das 27 unidades federativas brasileiras, e até de alguns países como é o caso de Uruguai, com 3,4 milhões de habitantes, ou do Paraguai, que possui 7,5 milhões. Ou seja, temos dentro do Brasil um país de pobres.
Ao longo do período analisado, observa-se que o Nordeste deteve a maior proporção de pessoas em extrema pobreza, seguido pela região Norte. Em 2023, como já disse, o índice de pobreza extrema para o Nordeste foi estimado em 9%, equivalente a pouco mais de 5,6 milhões de pessoas. E ele recuou. Em 2012 eram 7,7 milhões de pessoas e, em 2021, pior ano da série, a extrema pobreza alcançou mais de 10 milhões de pessoas. Mas, desde 2021, mais de 5 milhões de pessoas deixaram a condição de extrema pobreza na região.
Os pesquisadores ressaltam, porém, que a redução de pobreza no Nordeste não impactou as diferenças regionais, pois o índice de pobreza da região, que era 2,1 vezes maior do que a média nacional em 2012, ainda é duas vezes maior do que a média nacional em 2023.
São dados que precisam ser observados pelos governadores e demais gestores públicos. Eles apontam para uma necessidade urgente de políticas públicas para se reverter essa situação, sob pena de a região seguir com seu desenvolvimento econômico e social comprometido por mais algumas décadas.
É preciso que os governadores da região, que atuam em conjunto para uma série de iniciativas através do Consórcio Nordeste, utilizem esse fórum para traçar estratégias em parceria com a sociedade que venham reverter esse quadro vergonhoso num futuro não demasiadamente distante.
Estamos muito atrasados na correção desse rumo, penalizando milhares de pessoas. É preciso repensar o que fazer com verbas públicas. Não se pode destinar milhões de reais às festas e cachês de artistas nacionais – como se viu novamente nos recentes eventos juninos -, em detrimentos dos músicos locais, muitos dos quais enquadrados nesses quadros de pobreza na região. E isso é só para dar um exemplo.
Mas não é só o poder público que tem responsabilidade sobre esse tema. Toda sociedade tem, inclusive o empresariado. Não podemos ignorar que os setores da indústria, através do Sistema S, e do comércio, via Senac, têm feito muito esforço para levar educação às camadas mais baixas da sociedade. Mas é preciso que se amplie a participação de quem detém o capital nesse processo.
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