Por Fernando Ítalo e Patricia Raposo
Na indústria automobilística, a guerra do lobby das montadoras escala com as regras definidas no parecer do relator da reforma tributária no Senado. Apesar de prorrogar os incentivos ao setor no Nordeste para 31 de dezembro de 2032, o texto do senador Eduardo Braga (MDB-AM) pode tirar de 15% a 20% da competitividade da unidade da Stellantis em Goiana, devido ao não enquadramento nos novos critérios. Na prática, os dispositivos beneficiam, sob medida, a nova fábrica da chinesa BYD na Bahia.
O secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, Guilherme Cavalcanti, destaca o impacto negativo do texto do relator não apenas para a unidade da gigante anglo-ítalo-americana no estado, mas para outras empresas pernambucanas que atualmente são beneficiadas pelos incentivos, como a Baterias Moura. Líder do segmento na América Latina, a Baterias Moura exporta para 20 países em todo o mundo.
A mudança proposta pela relatoria afeta a competitividade não apenas da Stellantis Goiana e Moura, mas também das empresas localizadas nos estados do Centro-Oeste, onde há incentivos fiscais para a produção de veículos assim como no Nordeste.
O principal argumento do governo de Pernambuco é que o texto do relator cria uma assimetria que beneficia apenas a cadeia da BYD. A montadora chinesa, rival da Tesla de Elon Musk, está investindo R$ 3 bilhões num complexo automotivo localizado em Camaçari, nas antigas instalações da Ford.
O problema é que, como foi posto, o texto do relator estende os benefícios apenas à industrias que produzem carros 100% elétricos ou híbridos. A Stellantis vai dar início a sua produção de elétricos híbridos em Goiana a partir de 2024. Mas isso será algo gradativo e 90% de sua produção seguirá com carros a combustão, portanto, fora do alcance dos incentivos propostas pelo relator. Já BYD começa sua produção numa base totalmente elétrica/híbridas, ficando totalmente inserida nos incentivos.
“Não contamos com a aprovação desse projeto”, disse ao Movimento Econômico o secretário Guilherme Cavalcanti. Segundo ele, o governo do estado já articula uma reação para derrubar as condições fixadas pelo senador Eduardo Braga. A estratégia envolve mobilizar o Consórcio Nordeste e também governantes e lideranças da cadeia automotiva no Centro-Oeste, já que estão instaladas, em Goiás, plantas das montadoras CAOA Hyundai, John Deere, Suzuki e Mitsubishi.
A governadora Raquel Lyra, em outra frente, já solicitou audiência com senadores, ministros da área econômica – incluindo Fernando Haddad (Fazenda) – e até com o presidente Lula.
Indústria automotiva: entenda a polêmica
O senador Eduardo Braga apresentou, nesta quarta-feira (25) seu parecer sobre a proposta de reforma tributária à Comissão de Constituição e Justiça. Antes da apresentação, o relator protocolou o texto com mudanças em relação à redação do projeto que tinha sido aprovada pela Câmara dos Deputados.
Em relação aos incentivos para as montadoras – derrubados recentemente na Câmara com o apoio inexplicável do deputado pernambucano Fernando Monteiro (PP) – a relatoria reinseriu os benefícios, mas de uma forma que a emenda ficou pior que o soneto.
Pela redação proposta, “só receberão o benefício os veículos que sejam dotados de tecnologia descarbonizante, ou seja, elétricos ou híbridos com motor a combustão, desde que utilizem álcool combustível também”.
Por esses critérios, a Stellantis, que tem meta global de descarbonizar produtos e processos em 50% até 2030 e 100% até 2038, perderia os incentivos para seu parque em Pernambuco em 2025, já que, até lá, apenas 25% da produção do complexo será de carros elétricos/híbridos. Procurada, a Stellantis não quis se pronunciar sobre o assunto.
Stellantis Goiana é vetor de desenvolvimento de Pernambuco
A unidade da multinacional em Goiana, inaugurada em 2014, é considerada um dos projetos mais bem-sucedidos de desenvolvimento regional no Brasil. Já foram investidos R$ 18,5 bilhões no complexo, que receberá novo programa de investimentos para a eletrificação/hibridização de veículos e descarbonização.
O parque está consolidado como um dos motores que impulsiona a economia de Pernambuco (incluindo o comércio exterior). Impacta particularmente a indústria de transformação no estado, com a produção de bens de alto valor agregado, a geração de 14,7 mil empregos no complexo (e 60 mil em toda a sua cadeia produtiva), além da atração de 38 fornecedores, dos quais 18 instalados no polo.
Outra característica importante que confirma a sua importância estratégica para o Nordeste, particularmente Pernambuco, é o impacto tecnológico, graças ao processo de inovação aberto, com a integração do ecossistema de inovação local – capitaneado pelo Porto Digital (Recife) – à indústria automobilística mundial.
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