quinta-feira, 28/03/2024

Valéria Saturnino: Pirâmides financeiras – O Brasil tem história, mas não aprendeu

Apesar das diversas denúncias da Imprensa, as pirâmides continuam surgindo e lesando muita gente.
Valéria Saturnino

Sabem quando dizem que o erro ensina? Quando erramos, aprendemos com ele e então seguimos outro caminho. Pois bem, parece que no Brasil é diferente quando se trata de pirâmides financeiras. Na primeira semana de agosto de 2022 finalmente a justiça começou a indenizar as vítimas da pirâmide TelexFree, depois de quase dez anos de bloqueio desta atividade criminosa – o Tribunal de Justiça do Acre suspendeu as atividades e bloqueou os bens em junho de 2013.

Para quem ainda não conhece o conceito, uma pirâmide financeira ou esquema Ponzi é uma atividade criminosa que consiste em captar recursos financeiros de investidores sob o pretexto de estarem investindo em um produto – o qual é falso, com promessas de retornos financeiros acima da média de mercado. No caso da TelexFree, o seu produto de fachada era de telefonia via internet (VoIP), sem a autorização da Anatel.

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Para que o esquema criminoso funcione, é necessário que novos investidores aportem recursos, com os quais são feitos os pagamentos dos investidores mais antigos. Basta pensar um pouco que é possível ver o crime de enriquecimento ilícito por trás: quem está no topo da pirâmide (os idealizadores do esquema) vão ganhar muito, e imaginando que toda a população mundial entrasse no investimento, os que entram por último não ganham absolutamente nada, sendo insustentável no longo prazo.

A pirâmide financeira é diferente do Marketing Multinível (MMN), no qual um revendedor ganha tanto os lucros diretos (com a venda do produto em si) como os lucros indiretos (participação nos lucros dos revendedores da sua equipe). Muitas empresas no mundo usam o MMN como Mary Kay, Herbalife e Avon. As duas principais diferenças para a pirâmide é que o produto existe e o revendedor não ingressa investindo dinheiro na empresa, e sim recebe produtos que serão revendidos e pagos à empresa em um período determinado.

Eu sou professora desde 2010 e vi vários dos meus estudantes caírem no golpe da TelexFree, inclusive recebi convites de muitos deles para ingressar no suposto investimento, o qual eu negava e explicava se tratar de uma pirâmide, mas infelizmente eles não acreditavam, pois estavam ganhando muito dinheiro. Teve até um deles que vendeu seu carro para investir na suposta empresa.

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Mais de um milhão de pessoas caíram no golpe da Telexfree, sendo impressionante o dado de que 20% da População Economicamente Ativa do Acre participava do esquema, por isso que o bloqueio foi dado pela justiça deste Estado. As notícias que surgiram foram das mais diversas, de pessoas que venderam bens para investir e perderam tudo, de pessoas que tentaram suicídio por conta disso.

Em pleno 2022, o Brasil ainda não aprendeu. Depois da TelexFree já teve a BBOM, a Priples, a Youx Wallet (2019) e agora temos mais um esquema de fraude descoberto pela Polícia Federal (PF). Também no início deste mês a PF deflagrou a Operação Traders, que visa desarticular cerca de 22 empresas que atuavam no Paraná prometendo investir os recursos dos investidores na Bolsa de Valores, com retorno médio de 6,4% ao mês. As empresas não tinham registro na Comissão de Valores Mobiliários e já movimentaram mais de R$ 200 milhões. Antes de serem bloqueadas, elas pagavam aos investidores que entraram primeiro com os recursos que entravam dos novos investidores. Claramente uma pirâmide financeira.

É necessário ficar atento aos sinais para não cair nos golpes. Retornos acima da média, necessidade de aportar dinheiro e de chamar novas pessoas para ingressarem no suposto investimento são os principais sinais, mas outros pontos são importantes como a existência ou não de um produto e a regularização jurídica da empresa.

Me traz impacto as pessoas não acreditarem na justiça e na fala de especialistas em finanças. Ouvia em 2013 meus alunos me questionando, dizendo que não era fraude, e em pleno 2022 vi um comentário de que a pessoa “estava indo muito bem na TelexFree, aí a justiça quis ganhar o dinheiro para ela e para os advogados; sempre que o Estado interferir, abram os olhos”. Não há nem resposta para tamanha ignorância.

Quando vamos aprender? Quando vamos aprender a ler todos os nossos contratos, inclusive as pequenas letras? Quando vamos aprender a pesquisar sobre as empresas que investimos, se estão registradas, regularizadas, sem dívidas? A Educação Financeira também passa por esse caminho, de pensar na legalidade dos investimentos. Sem isso, o Brasil ficará nas idas e vindas de golpes e prejuízos financeiros para uma população já tão sofrida.

Valéria Saturnino é Doutora em Finanças, Professora da UFPB e Consultora Associada da CEPLAN Consultoria Econômica e Planejamento

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